5 ou 50 notas, por Catarina Almeida – Meninos, agora que estão mais crescidos, já sabem que temos de trabalhar para ter as coisas, não é? Por exemplo, quando forem adultos, para terem empregos bons e ganhar dinheiro, é preciso estudarem, tirar bons cursos… Eu não estava lá mas a professora que me contou este episódio sabia perfeitamente que eles não estavam lá muito interessados no tema… Eu dei por mim a imaginá-los, do alto dos seus seis, sete e oito anos a bocejar e a pensar na interessantíssima borracha que caíra ao chão e cujo resgate se afigurava uma inesquecível aventura… Rimo-nos as duas a comentar como tantas vezes as nossas abordagens são pouco adequadas, moralistas, distantes da experiência concreta dos miúdos. Esquecemos que os miúdos querem conhecer as coisas que estão vivas, presentes, que é preciso começar sempre por aí. Pomo-nos com discursos edificantes mas tantas vezes inúteis. Além disso, a professora acrescentou que a história não tinha acabado assim. No seu comício pedagógico-educativo, tentou dar um exemplo: – Se tiverem 5 notas, podem ter uma casa pequena e comprar uma roupas de vez em quando. Mas se tiverem 50 notas, podem ter uma casa maior, um carro para a família, comprar comida e roupa sem preocupações… Bla, bla bla… Eis senão quando o Henrique disse: – Ah!!! Isso não é um problema! Eu posso ter só 5 notas! – Como assim Henrique? Preferes ter uma casa pequena? – Não, não! Se eu tiver só cinco notas, a minha avó dá-me o resto. E assim nos pôs em sentido. Pode fazer-se uma teoria sobre “tens que conseguir as notas por ti, ser auto-suficiente…”. Mas haverá coisa mais importante do que manter esta consciência transparente de uma criança? É mais verdadeiro discursar sobre a justiça e o esforço ou lembrar a cada segundo que somos filhos e netos? Que haverá sempre alguém que cuida de nós? Como educadores, queremos fazer crescer esta experiência inabalável que a maioria dos miúdos fazem, de ser amados, queridos, protegidos, de que nada lhes faltará? Ou queremos continuar a cair na esparrela da mentalidade dominante que nos baralha e nos quer convencer que o nosso valor está no que conseguimos, no nosso esforço, enfim, que a nossa vida é feita e dominada pelas nossas forças e capacidades? A professora e eu lembrámo-nos, assim, que queremos recuperar a experiência que o Henrique faz e pô-la à prova, verificá-la diariamente. Com cinco notas ou com cinquenta notas, tudo na vida nos é dado, pela avó, pela mãe, pelo Pai. Nota: Bem sabemos que há crianças e adultos que não têm mães, pais, avós nem ninguém que cuide deles. Ainda assim, o seu coração está feito como o nosso e a ferida não pode ser iludida. Mas este tema fica para os próximos capítulos… Catarina Almeida