A caneta vermelha, por Catarina Almeida

No outro dia, preparei-me arduamente para um combate feroz de matemática com as crianças do 2º ano… 
O tema era complexo, daqueles conteúdos que requerem passos pequeninos mas seguros e muito arrumadinhos… Estava tudo a correr bem quando um petiz levantou o braço e perguntou:
 
– Quando é que a professora vai corrigir?
– Sim…?
 
Eu fiquei à espera que ele desenvolvesse o assunto, uma vez que não havia grande coisa para corrigir. Tínhamos feito jogos com objectos reais para se darem conta dos aspectos concretos; tínhamos feito a representação com desenhos e por aí fora…
 
– Não vamos fazer nós sozinhos para a professora ver se está bem?
– Ah! Sim!
 
Distribuídos os cadernos de exercícios, comecei a observá-los enquanto punham à prova tudo o que tinham descoberto. As caras que faziam deliciaram-me durante uns bons minutos: olhos a pensar, dentes a morder as bochechas por dentro, sopros e gestos inspiradores. O Gonçalo interrompeu os meus devaneios:
 
– Professora, tenho aqui a caneta vermelha!
– Para quê, Gonçalo?
– Para a professora corrigir! Já acabei e a professora pode corrigir! – afirmou, com ar triunfante.
 
Fui para o pé dele e comecei a corrigir os seus exercícios com a valiosíssima caneta vermelha. O fôlego da criança ia crescendo à medida que colocava os “certos” e deitava mãos à cabeça quando eu torcia o nariz. No fim, fiz-lhe algumas recomendações e escrevi “muito bem”. Ele deu-me um abraço e os outros pediram todos que lhes corrigisse os trabalhos. Com a caneta encarnada. 
 
Quando terminou a aula, lembrei-me das vezes em que estudei as teorias sobre as avaliações, as correcções, as cores das canetas, o certo e o errado… E também me lembrei que nunca falavam sobre o âmago da questão. É que os miúdos precisam de uma relação forte e segura comigo, com um professor que lhes quer bem, que sabe o que diz e não os quer enganar. Dentro de uma relação assim, vem ao de cima um desejo grande de partilhar a aventura do conhecimento, mesmo quando ela implica correcções. E até pode ser com caneta vermelha. 
 

Catarina Almeida