A novidade que muda o mundo, por Catarina Almeida Num momento como este, é difícil escolher as palavras. Aliás, até os gestos saem com uma lenta solenidade para tentar ser transparentes à beleza que vivemos nos últimos dias, dentro da dor da partida do Padre João Seabra para a Casa do Pai. Um tríduo de encontros, de oração, de pedidos e de grandes perguntas. Mas sobretudo de muita gratidão por estar aqui durante a grande história da vida do Padre João. Muito já foi dito e, seguramente, amigos mais próximos, mais filhos, mais presentes, terão centenas de coisas para contar, mais interessantes, verdadeiras e pertinentes. Esta breve e ousada mescla de palavras que agora escrevo são apenas uma modesta partilha de um momento que não me sai da cabeça nos últimos dias. Tive a graça de trabalhar muito de perto com o Padre João durante cinco anos (e de menos perto, mas não distante, nos sete seguintes). Nesse tempo, por volta de 2010, estava a começar a minha aventura no mundo da educação. Estava a descobrir tudo: via o dia-a-dia de uma escola atravessada pela paixão de educar centenas de crianças e jovens, por adultos em que o coração vibrava visivelmente com tal missão. Apaixonei-me porque os vi apaixonados. O fundador desta paixão no Colégio de S. Tomás, era o Padre João Seabra. A atratividade do que ali se vivia e que me arrastou sem reservas levou-me até ao mestrado em Educação. Queria perceber, queria dar o meu contributo, queria ser protagonista – na altura, não muito consciente de dar estes passos como tentativa de seguir um bem encarnado que via nas pessoas com quem trabalhava. Certo dia, e é deste dia que me tenho lembrado particularmente, eu estava a ler um livro sobre a relação entre as crianças, os adultos e a realidade. Os meus pensamentos eram confusos: a aprendizagem acontece num encontro… a conhecimento é um acontecimento. E eu refletia e estudava sobre isto, apoquentada com duas tensões: os que põem no centro a criança, que se torna medida de tudo; os que põem no centro o adulto, fonte de conhecimentos e informações a transmitir. E sentia-me presa, bloqueada, porque o que eu via era outra coisa. Tudo era valorizado, a criança em relação com o adulto; o adulto em relação com os jovens; os dois em relação com a realidade. – Padre João! Padre João! Acho que já sei! O Padre João tinha acabado de entrar no meu gabinete. – Então, Catinhas? E este “então” estava carregado daquele gosto de vida que transbordava da sua voz rouca e imponente. – Ó Padre João, é que eu acho que o centro não é a criança nem é o adulto! É a realidade! É o que existe para ser conhecido! E perante esta banalidade intelectual com a qual eu achei que viria a começar uma revolução pedagógica, o Padre João respondeu: – Catinhas! Tu és capaz de ter razão! Tu és capaz de ter razão! Isso, isso! A realidade! Disse-o sem toque de paternalismo, sem diminuir nada da minha por si só incipiente descoberta. Ainda me lembro – e lembrei com nitidez nos últimos três dias – do seu olhar genuinamente entusiasmado por aquela hipótese trazer uma migalha de novidade ao mundo. Este pequeníssimo episódio aconteceu todo em 3 minutos. No máximo cinco. Como eu, tanta gente cresceu assim, a sentir-se olhado com aquele entusiasmo que nos tornou conscientes de ser parte da novidade presente que, certamente, muda e mudará o mundo. Catarina Almeida