Tu: diferente de mim

(Papa Francisco, 5 Janeiro 2018)

Termina assim o documento da Congregação para a Educação Católica dedicado à “questão de género em educação”. Trata-se de um contributo com orientações preciosas para famílias, escolas e educadores em relação aos actuais desafios da afectividade, da sexualidade e, sobretudo, da identidade de homens e mulheres no século XXI.

O debate aquece quando se fala na ideologia de género: os velhos bastiões da liberdade e da autodeterminação continuam a servir de bandeira da ilusão de viver autonomamente, de não precisar de nada nem de ninguém, do amplamente falhado “podes ser o que quiseres”. Como é possível, então, que a resposta, ou melhor, a proposta cristã aponte para a abertura e o diálogo, se estes chavões parecem – e são – inaceitáveis? 

O documento “Ele criou-os homem e mulher” merece leitura e estudo e não nos ocupa agora a sua análise; desejamos, apenas, reflectir sobre a tónica do caminho indicado. O que é a abertura sugerida, tão escassa nos dias de hoje e, ao mesmo tempo, tão necessária? E como é que essa abertura pode interessar, mesmo para quem não vive uma experiência de fé?

– Abertura ao outro como rosto. O outro coloca-se sempre diante de mim, antes de mais, como um rosto. Esse rosto é diferente de mim, é sinal daquela misteriosa palavra que nos distingue uns dos outros: tu, isto é, diferente de mim. 

– Abertura ao outro como pessoa. Num segundo momento, o outro é mais que o seu rosto; traz a sua vida, a sua experiência, o seu ser. É uma pessoa. O desejo de conhecimento do outro tem uma dimensão existencial, de partilha do espaço e do tempo; no caso específico do homem e mulher como casal, é o acolhimento do outro dentro de um horizonte definitivo que se torna missão e vocação. É também na abertura e no acolhimento do marido, dos filhos, que se aprende a acolher todos os “outros”.

– Abertura ao outro como irmão. Finalmente, a estima verdadeira pelo outro, como por um irmão, como um membro da mesma história e da mesma família, pode ajudar a compreender a diferença entre uma tolerância indiferente e a abertura dialogante a que a Igreja nos convida. Só um olhar de irmão, um coração de irmão permite dialogar verdadeiramente porque o seu ponto de partida é a mesma vida, a mesma casa, o mesmo destino.

Se partilharmos a vida, a casa e o destino dos nossos irmãos, poderemos dialogar, isto é, entrar a dois no logos, no conhecimento e no respeito de quem somos. Para a partilhar, teremos, todavia, de saber responder: qual é a minha vida? Qual é minha casa? Qual é o meu destino?

 

Catarina Almeida