“Agora é tarde demais”, por Catarina Almeida Ora essa! Tarde demais… para quê? Gepeto desejou um boneco maravilhoso, que soubesse dançar e fazer esgrima, ou seja, que pudesse participar na alegria da vida do pai, que pudesse gozar do bem e da beleza que a vida promete. Desejou-o, criou-o e deu-lhe um nome. Um nome cuidadosamente escolhido que marca uma existência cuidadosamente esculpida. Um instante depois da comoção geradora do Pai, o Pinóquio rouba-lhe a peruca, põe-lhe a língua de fora e, como se lê mais à frente nesta aventura, acaba por fugir por querer andar pelos seus próprios pés. “Agora é tarde demais” é a voz misteriosa do coração de Gepeto, do coração de um pai que ama incondicionalmente o seu filho. As suas tropelias enfurecem-no, entristecem-no, desorientam-no; mas, na verdade, é tarde demais para voltar atrás, para mudar de ideias, porque o Pinóquio é seu filho. Num tempo em que a paternidade é tantas vezes vista como opressão, Gepeto revela a centralidade desta experiência, cuja importância o Papa Francisco recordou ao dedicar o ano 2021 a São José, pai e carpinteiro como o nosso protagonista. A paternidade, que renuncia à tentação de decidir a vida dos filhos, sempre abre espaços para o inédito. Cada filho traz sempre consigo um mistério, algo de inédito que só pode ser revelado com a ajuda dum pai que respeite a sua liberdade, são as belíssimas palavras que ajudam a compreender o drama de Gepeto. A paternidade verdadeira abre espaços para o inédito, acolhe o mistério do filho e respeita a liberdade exatamente porque “é tarde demais”. Porque o amor paterno consiste, em primeiro lugar, no reconhecimento de um bem que transborda e que não se pode guardar de forma egoísta. Tem que ser oferecido. Depois, esse bem transforma-se em amor gratuito. E, por isso mesmo, é tarde demais porque o pai ama desde o primeiro minuto. Mesmo que não seja capaz, mesmo com os limites e erros, o pai é, como o Gepeto, aquele que gera, dá um nome e já não pode voltar atrás no desejo de todo o bem para aquele destino, no desejo de que aquele pequeno boneco de madeira se torne num menino de verdade. É tarde demais para mudar de ideias porque aquele boneco já é seu filho e não há lágrimas nem tropelias que possam mudar um coração de pai. Catarina Almeida