Altos voos, por Catarina Almeida

No outro dia, vi uma criança de cinco ou seis anos a brincar com um papelinho. Dobrava, desdobrava, fingia que era um avião, depois um carro numa pista… Suponho eu, claro, porque eu só conseguia observar as tentativas simbólicas que a divertiam num mundo infinito de possibilidades. O contexto era de silêncio e compenetração de adultos e a criança não se atrapalhava nem pedia atenção.

A dada altura, o papelinho caiu ao chão e foi parar a um sítio onde a criança não chegava sozinha. Silenciosamente, abordou o pai com gestos e pediu-lhe que o apanhasse do chão.

O pai fez-lhe sinal, com ar ternurento, acenando como quem lhe dá permissão de sair do lugar para ir buscar o papelinho. A criança disse que não e voltou a pedir ao pai que fosse ele a resgatar o item perdido.

Não era longe, nem era difícil de apanhar do chão. Mas a criança agarrou-se às pernas do pai, como quem implora silenciosamente, e o pai continuou sorridente a indicar-lhe o caminho para recuperar o papelinho. 

Nada feito. O miúdo desistiu da sua ideia: abandonou o seu avião imaginário, carro numa pista invisível e potencial origami e pediu colo ao pai. E eu sorri, porque me revi naquela criança.

Creio que teria feito o mesmo que o pai fez e até acho que ele fez bem: estava atento ao que estava a acontecer na circunstância onde estava, antes de mais, ele próprio, e não interrompeu para acudir o filho.

Ainda assim, eu revi-me naquela criança, porque é mesmo verdade que a realidade se torna interessante sempre e só dentro de uma possibilidade de afeição por mim. Claro que o miúdo seria capaz de ir buscar o papel, e que talvez até fosse bom ter mais alguma desenvoltura na atitude. Se calhar estou a exagerar, era só um papel no chão. Mas a verdade é que não me canso de me comover com este grão de verdade da nossa vida e da educação dos nossos filhos.

O que é mais importante na vida? Que nos confirmem que somos capazes? Que nos digam que estamos autorizados? Que nos mostrem o que há para fazer?

Eu cá gosto é de ter um ombro onde repousar quando os meus papelinhos me caem ao chão; e também gosto de ter um abraço quando me sinto capaz de os ir apanhar. Mas sem a presença de alguém que me olha e me confirma a bondade do que estou a viver, nem os mais altos voos dos papelinhos me podem bastar.

O desejo começa por parecer que queremos isto ou aquilo, mas o que mais desejamos na vida é estar perto de alguém, que está presente, independentemente se apanha (ou não) os nossos papelinhos do chão. E o maior Mistério de uma Presença Viva e Infinita está aí a chegar, mais uma vez, para nos lembrar que somos aqueles que tudo podem, nos braços de um Pai que está aqui como no primeiro dia.

Boa Páscoa!

Catarina Almeida