Ao colo de um pai, por Catarina Almeida e Letizia Ortisi Pinóquio adormeceu junto à lareira. Os seus pés, que eram de madeira, pegaram fogo e pouco a pouco carbonizaram e ficaram reduzidos a cinza. O boneco adormeceu sem perceber o que estava a acontecer. Ao romper do dia, acordou, pois alguém tinha batido à porta. Adaptação de “As Aventuras de Pinóquio”, Carlo Collodi Grilo esmagado contra a parede, problema resolvido. Agora o Pinóquio é o dono do seu quarto e da sua vida. E o que acontece aos pinóquios – e a nós… – quando nos sentimos donos e senhores da vida, sem pais nem professores, nem obrigações nem sacrifícios? Depois de uma grande ousadia, sobra-nos muito pouco, ficamos com as cinzas, as nossas próprias cinzas e nem reparamos! Só quando Gepeto volta e bate à porta – e ainda bem que há pais que batem à porta e ficam à espera de uma resposta! -, o Pinóquio repara que não consegue caminhar porque não tem pés, só cinza! O pai entra apressadamente pela janela e o filho conta-lhe o que se passou: – Ai meu pai, se lhe contasse… Foi uma noite de inferno: eu aqui sozinho, cheio de fome e de medo… Fui à procura de comida na escuridão e nem me lembro bem. Só sei que quando voltei pus os pés a aquecer na lareira e, quando acordei, estavam em cinzas! Por que é que foi uma noite de inferno? O que faria normalmente um filho cheio de fome e de medo? Pediria comida ao pai, pediria colo ao pai. E mesmo que não houvesse comida e a escuridão se mantivesse, seria o colo do pai a transportá-lo com vigor até à manhã seguinte. O drama não é a fome, nem o medo da escuridão, mas sim a ausência do pai. O drama do Pinóquio e dos nossos filhos, a nossa vertigem está em encontrar o colo de um adulto que se sustenta e nos sustenta e viver aninhados nele. O nosso tempo confuso insiste que a liberdade verdadeira está em nos libertarmos de todas as amarras das nossas pertenças. Será…? Catarina AlmeidaLetizia Ortisi