Aqui ao leme sou mais do que eu

«O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar…»

– Por que é que eles achavam que era um monstro e não perceberam logo que eram as rochas e as ondas?

A pergunta surgiu depois de uma dramatização do Mostrengo de Fernando Pessoa, em conversa com os alunos do Pré-escolar e do 1º Ciclo. Lá fomos dizendo que estavam cansados, que imaginassem meses a fio num barco, com fome e sede, preocupados com a viagem… Como se sentiriam os navegadores? Às vezes até viam mal as coisas, de tão estafados e atordoados que estavam…

– Nós às vezes também não vemos bem as coisas!

– Pois é! Às vezes nós pensamos que as coisas são uma coisa e depois…!

O diálogo continuava animadamente até que perguntei como podemos ver bem as coisas, a ver as rochas e as ondas sem pensar que são monstros; o que nos ajuda a saber o significado verdadeiro das coisas que vemos?

Pensaram, pensaram, pensaram… E começaram a surgir dedos no ar:

– A mãe!

– O professor!

– Os amigos!

Suspirei de alívio. Temíamos que fosse desajustado para crianças tão pequenas mas afinal era simples. Eles fazem e reconhecem a mesma experiência do “homem do leme”… O que nos permite enfrentar os mostrengos, vê-los bem? O que sustenta a nossa certeza? O que vence «o mostrengo, que me a alma teme? É a vontade, que me ata ao leme». Mas é a vontade de quem? De El-Rei D. João II! E é esta que vence a ideia, o medo e até a tempestade. Saber-nos ao leme de uma vontade que não é só nossa, é uma obediência alegre porque nos faz ver mais e melhor do que os que ficam em terra sem navegar.

Seja El-Rei, o professor ou a mãe, há sempre alguém cuja vontade, cujo amor, cujo abraço me ata ao leme e me ajuda a ser protagonista da minha vida e navegar sem temer porque, afinal, a tormenta era só uma tempestade e tornou-se Boa Esperança…

Catarina Almeida