Como uma onda, por Francisco Guimarães Estado de emergência: dia 8 A paisagem é misteriosa e silenciosa, o ruído citadino que se foi tornando companhia passou a chamar-se silêncio, as pessoas estão disfarçadas com máscaras na boca e no nariz e as camélias do jardim, outrora sujas e murchas, podem agora regenerar e expandir-se em direção aos mais altos pinheiros. É um “tempo de solidão e de incerteza”, como dizia Sophia de Mello Breyner, é um “tempo de covardia e tempo de ira”, é um “tempo de negação”. É também um tempo em que através da minha própria solidão eu descubro que quero partilhá-la com alguém, é também um tempo de certeza de que esta chuva tem de ser por mim vivida. É também o tempo de me tornar valente, corajoso e arrojado para escalar as mais íngremes montanhas, e de sobreviver à ira com a perseverança da alegria, do alento e da paz. É também o tempo de encarar de frente o furacão que assola o caminho que tracei com esforço. É também o tempo de crescer, de saber que sou pequeno e simples, e de ser uma testemunha àquilo que sou chamado. É o tempo de escancarar o meu coração à novidade, à verdade e àquilo que já tomava como certo quando os meus olhos estavam cegos, sem medo de me perder, de me deixar levar quando tiver de ser e sem medo de cair com estrondo no chão empedernido. É o tempo de ser manso e livre, como uma onda que quer ir mais longe, além das rochas escuras e sombrias. É o tempo de confiar, de dizer que sim, como uma onda que sabe que precisa da lua para ser maior. Francisco Guimarães