Contos de Lilipão – o início Em tempos idos, no distante reino de Lilipão, havia um príncipe que estava sempre zangado. Era normal encontrá-lo de braços cruzados, com os olhos tristes e caídos. Era assim desde pequenino. Quando nasceu, não chorou como os outros meninos… As enfermeiras-reais ouviram-no gemer uns sons tristes e a Rainha Liliana ficou muito desgostosa porque os seus outros filhos tinham chorado a plenos pulmões, para mostrar ao mundo que tinham chegado. O Príncipe Lilipão murmurou apenas uns sons que mais pareciam uma porta a chiar sem ninguém reparar. Os filhos dos criados que viviam no palácio eram muito amigos dos príncipes mais velhos mas o Príncipe Lilipão olhava sempre para o chão e nem reparava nos outros meninos. Não sabia brincar ao pião, nem escorregar no corrimão, nem saltar à corda. Começava a tentar e, como nunca conseguia à primeira, punha-se a gritar e as crianças fugiam a sete pés! A única coisa que o Príncipe gostava de fazer era copiar desenhos. Punha junto à janela uma folha branca com um desenho por baixo e contornava as linhas e as formas que alguém tinha feito e que ele queria apenas copiar. Quando chegou a altura de ir para a escola, a Rainha Liliana disfarçou o seu príncipe com muito cuidado para parecer um menino igual aos outros. Ninguém podia saber quem ele era porque os habitantes do reino temiam o misterioso príncipe triste e zangado. Já tinham ouvido falado muito dele… Quem passava junto ao palácio, contava que se ouviam gritos e sons de loiça a partir. Diziam também que o pior era o som de um choro triste, mas tão triste… Na escola normal dos habitantes, o príncipe disfarçado não aprendia a ler nem a escrever, não era capaz de fazer contas nem dizer os nomes das plantas, nem dos passarinhos. A professora, sem saber que ele era o príncipe Lilipão, tentava ensinar-lhe as letras e os números, os mares e os animais mas nada… Ele dizia sempre: – Não sou capaz! Não consigo! Deixem-me em paz! Os seus olhos tristes fixavam sempre o chão. Quando alguém se aproximava dele, gritava muito e, às vezes, empurrava as pessoas e fazia coisas um bocadinho feias. Os outros meninos fugiam dele e faziam queixas à professora porque aquele menino parecia ser mesmo muito mau! Certo dia, a zanga foi tão grande que apareceu a Polícia do reino: – Que se passa aqui? – É este menino que só sabe gritar! Começaram a juntar-se professores, meninos e pais da Escola. Todos apontavam o dedo e gritavam: – Fora aqui, malandro! Não te queremos aqui! De repente, a Rainha Liliana chegou escondida debaixo do seu manto verde, com uns óculos enormes e levou Lilipão de volta para o Palácio. Nunca mais o levou à Escola. A Rainha estava tão preocupada… Certo dia, enquanto fazia ziguezagues pelo jardim a pensar o que fazer ao seu querido príncipe, reparou nas fadas-professoras que sobrevoavam o reino. Há muito tempo que ninguém as via por ali… São uma espécie rara de fadas: têm uma varinha especial que usam para ensinar. Os pós das suas varinhas têm o condão de abrir os olhos e os corações dos habitantes que não aprendem porque não sabem olhar para fora de si. A Rainha, um bocadinho envergonhada, chamou-as: – Agripina! Miquelina! Espinafrina! Desçam, rápido! – Que saudades, Alteza… Há mais de vinte meses que estamos longe deste reino. – E que faltam têm feito… Preciso da vossa ajuda! A Rainha contou tudo às fadas-professoras e elas puseram mãos à obra. Fecharam-se numa sala do castelo e fizeram uma reunião que demorou sete dias e sete noites. Mandaram trazer o Grande Livro das Fadas e leram todas as páginas sete vezes. Rodaram as varinhas, dançaram ao luar e, perto da meia noite do sétimo dia, tinham tudo pronto! – Alteza! Estamos prontas! Mas o príncipe não pode ficar neste palácio… Vamos levá-lo connosco para a Floresta durante algum tempo. O nosso pombo-correio trará notícias todos os dias e a Rainha pode vir visitar-nos uma vez por semana. Terá de vir disfarçada porque ninguém pode descobrir o nosso plano! – Mas… quanto tempo? E têm a certeza que vão conseguir? – Isso é que não temos… Temos que conquistar o coração de Lilipão e ele pode não querer. Até os príncipes podem não querer aprender. Nós levamo-lo e vamos ver o que acontece! – Assim será. Já o príncipe não achou graça à brincadeira… Ficou tão zangado que até parecia um sapo viscoso e asqueroso! As fadas-professoras aceitaram o desafio com tanta alegria que nem repararam nisso… Começaram por tentar descobrir o que se passava com o príncipe… Rapidamente perceberam que ele estava muito triste porque o rei vivia noutro reino, com outra rainha, com outros príncipes e princesas. Sentia que ninguém gostava dele, como se fosse um príncipe por engano. Como é próprio das fadas, elas reuniram e discutiram com muito afinco quais os melhores pós de perlimpimpim para este caso. Estava decidido! Era preciso mostrar ao príncipe que ele era muito bonito e que valia mesmo a pena levantar os olhos do chão para começar a ver as coisas maravilhosas do seu reino. Aí então, poderia querer ler para as compreender, escrever para contar a todos das plantas e dos passarinhos… Todos os dias de manhã, a fada-professora-mor ia ter com o príncipe e ele estava sempre muito zangado e amuado. Devagarinho, foi-lhe mostrando que gostava muito dele e que nem os amuos, nem as zangas, nem a sua falsa pele viscosa e asquerosa podiam mudar isso. As outras fadas ajudavam, mostravam-lhe animais, as estrelas, o mar, músicas, histórias de encantar… Nunca se tinha ouvido rir com tantas gargalhadas! E quase sem se aperceberem, o príncipe começou a ler, a escrever, a contar… Foi assim todos os dias durante um ano. Ao fim de um ano, as fadas foram ter com a rainha e devolveram-lhe o seu príncipe sorridente e amável. Até as fadas estavam comovidas por terem cumprido a sua missão. Nota: Hoje em dia, é frequente vê-lo dizer aos sapos “Olha, que se as fadas te apanham, ficas um príncipe como eu!”… Catarina Almeida © Fundação Maria Ulrich