É a Primavera adormecida!

Certa manhã de Inverno, enquanto se vestia, olhou pela janela. Agora já não odiava o Inverno porque sabia que era apenas a Primavera adormecida e que as flores repousavam. 

in O Gigante Egoísta, Oscar Wilde

 

Afinal o Inverno não é apenas frio, geada e vento norte… É a Primavera adormecida!
Esta frase discreta e quase transparente contém um enorme mistério.
O que nos permite realmente deixar de odiar os Invernos da nossa vida?
No Inverno, vemos a neve e o frio, que nos enregelam e nos obrigam a por mil camisolas, nos fazem tiritar e tremer, e suspiramos por que passem, sem nunca perceber que o frio do Inverno tem dentro a Primavera adormecida.
É poético, claro, mas é profundamente verdade que o Gigante já tinha olhado mil vezes por aquela janela, chateado com o que via; a janela era a mesma, os olhos eram os mesmos, até a neve que cobria a relva e o vento que abanava as árvores era o mesmo. Só que ele já não odiava o Inverno porque tinha encontrado o seu sentido.
No meu mundo de gigantes egoístas, vive-se muitas vezes em debate com os Invernos, com as circunstâncias que nos incomodam e desinstalam. Os miúdos têm cada vez mais dificuldade em lidar com contrariedades. E nós também.
Está na hora de aprender um grande segredo com o Gigante… Só a busca do significado do Inverno pode vencer o ódio. Tal como para o Gigante, esse significado acontece nas coisas, acontece sempre alguma coisa no jardim.
Nasce uma espécie de cumplicidade com a neve e a geada porque acontecem no meu jardim; o sofrimento e a dor não desaparecem, como não desaparece para o Gigante, que vai chorar com as feridas do seu amigo; mas o que acontece fala de alguém que quer entrar por um buraquinho do nosso muro e quer trazer consigo a Primavera.
Podemos ver ou não ver. Mas alguém já entrou para nos conquistar e está escondido dentro do frio, da neve e da geada…
 
 Catarina Almeida