É aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro. “(…) E foram os dois pelo jardim fora. O rapazinho olhava uma por uma cada coisa. Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas e as flores. — É lindo, é lindo — dizia o rapazinho gravemente. — Aqui — disse Joana — é o cedro. É aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro. E daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro. Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro. E foi assim que Joana encontrou um amigo. Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha. (…)” in A Noite de Natal, Sophia de Mello Breyner Andresen Poucos autores conseguem fazer ver-me “as coisas” como a Sophia. Sempre que leio os seus contos, vejo com clareza os jardins, os cedros, as árvores, as relvas e as flores. Vejo mesmo, sem sequer fechar os olhos para imaginar… Quando reparei no parágrafo em que a Joana começa a mostrar o jardim ao Manuel, fiquei curiosa com um pormenor… A repetição do verbo mostrar. E mostrou-lhe o tanque, e mostrou-lhe o pomar, e mostrou-lhe a casa da lenha, e mostrou-lhe… Não sei o que levou Sophia a insistir neste verbo (não terá sido falta de imaginação…!) mas percebi uma coisa nova. A Joana tinha encontrado um amigo – maravilhoso, dirá mais à frente – e, como todas as vezes que encontramos um amigo, o ímpeto natural do coração é mostrar-lhe quem somos, mostrar a nossa vida, os nossos lugares, para que possa encontrar um espaço nos nossos espaços. “É aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro”, como quem diz “esta sou eu e agora passamos a ser nós”. E todos os dias a seguir a esse estavam dominados pela novidade que tinha entrado nas suas vidas. Um amigo! Mas… Para que serve ter um amigo e sentar-se sob a sombra do cedro? A última frase desta passagem responde com simplicidade a esta pergunta. É que as flores se viram para nós, a luz é mais brilhante e os pássaros vêm comer às mãos da Joana. É que o mundo passa a existir para mim e eu vejo melhor tudo o que existe. Catarina Almeida