E é agora, por Francisco Guimarães Estado de emergência: dia 10 Ainda me encontro à beira do silêncio. Estou perto, mas há caminhos por percorrer e por escolher, há coisas por decidir. Estou a tentar meter-me com ele como uma criança pequena que pede ao irmão mais velho para brincar. Não é fácil, é preciso encontrar espaço para o deixar entrar pelo lado certo, o lado da quietude, o lado que sente as pulsações a cada segundo, o lado esquerdo onde habita o coração, o lado onde se revela a nossa vocação, sem medos e sem reservas. Às vezes sinto-me perdido à procura das condições ideais, sem GPS e sem coordenadas. À procura do local perfeito para começar a ler, à procura da hora exata para deixar de fazer aquilo que não devo, à procura da segunda-feira para começar a trabalhar, sem deixar que o ócio e a preguiça me dominem. Estou sempre a dizer – é amanhã que vou sair daqui, é amanhã que vou mudar a hora, é amanhã que faço as malas, é amanhã que me vou tornar na pessoa que sou chamado a ser. Mas o GPS falha, a ligação é fraca, os satélites estão descoordenados e fico subjugado pelo lodo, parece que há algo que me impede e fico com medo de ser! Sim, medo de ser, é isso mesmo. Medo de ser fraco, medo de ser forte, medo das minhas tentações, medo das minhas virtudes, medo das minhas contradições e medo das minhas coerências. Em conversas com um grande amigo meu, fui alertado, de olhos bem abertos e de voz firme e paternal, de que este tempo que me é dado, infelizmente para muita gente em sofrimento, é o momento para mudar de vida. Agora! Sem esperar que isto acabe, sem dizer que depois disto é que vai ser, sem arranjar desculpas de que estou fechado em casa e, portanto, não há nada a fazer. É a oportunidade de, no meio destas chamas de incerteza, no meio deste inferno, contar qualquer coisa ao mundo através do meu testemunho, da minha vocação e do meu silêncio. Não há como fugir disto, não posso entrar pela cama adentro à espera que tudo isto passe, mas posso pensar em que pessoa me tornarei depois disto. E para que essa mudança aconteça, é preciso paz, independentemente do turbilhão das coisas com as quais sou confrontado. E é agora. Através de gestos simples e humildes, sem me subordinar à arrogância ou a prepotência, devo fazer aquilo que me é pedido, quer seja a cuidar das flores ou a contar as gotas do oceano. “Às vezes é no meio do silêncio Que descubro o amor em teu olhar (…)“Às vezes é no meio do silêncio Que descubro as palavras por dizer (…)” (Maria Guinot) Este dia está a ser escrito em dois, dividiu-se. Não consegui terminar tudo de uma só vez. Os problemas a que assisto diariamente a partir de uma janela confortável de minha casa são demasiado grandes para eu não agir e para não me deixar absorver por eles. Há uns dias falava da necessidade de ser protagonista. Hoje farei a mesma coisa, mas a partir do silêncio do meu lar ou de outro sítio qualquer. Parece paradoxal estar a falar da necessidade de ser mudo e de ser protagonista ao mesmo tempo, mas é assim que sinto as coisas neste momento. Talvez venha a mudar, como é natural que isso venha a acontecer. Mas hoje, e talvez amanhã, é isto que sinto. Termino só a dizer que é uma alegria inexplicável e misteriosa quando a verdadeira amizade se revela em coisas tão simples, como aquelas que tive a sorte de testemunhar hoje. Francisco Guimarães