Educar em estado de emergência, por Catarina Almeida

Quando eu andava na Faculdade de Direito e estudei o estado de emergência, havia na minha cabeça uma espécie de tom jocoso quanto a estas possibilidades constitucionais. Soava-me a “isto são coisas de antigamente”, tipo, quando nós não tínhamos construído uma sociedade onde está tudo controlado. As pessoas têm as suas casas, os seus trabalhos, estamos organizados com uma certa noção democrática e de bem-comum, portanto isto do estado de emergência, pensava eu, era mais História do Direito do que propriamente do enquadramento constitucional do país.

Só que… não. Ei-lo, o estado de emergência e as nossas vidas de pernas para o ar.

Tenho pensado muito nas crianças em casa, sobretudo nas mais pequenas. Sabemos bem a importância das rotinas, da segurança e da confiança para lhes dar estabilidade. Precisam de previsibilidade, sempre dentro de uma relação significativa que lhes permita compreender o sentido do que está a acontecer, de acordo com as categorias da sua própria percepção da realidade.

Confesso, no entanto, que penso ainda mais em nós, adultos. E tenho a certeza que esta é uma ocasião extraordinária para dar um contributo inestimável aos nossos filhos, ao nosso país e ao mundo.

Em primeiro lugar, porque esta circunstância tem já um grande mérito, tem uma grande vantagem. Tirou-nos a areia dos olhos e fez-nos ver que afinal não controlamos tudo. Além disso, fê-lo de chofre, de repente ficámos sem poder trabalhar como dantes, sem poder ir ao supermercado e beber um café como dantes. Se aceitarmos o desafio que a realidade nos coloca, de constatar que a vida é um misterioso tecer de acontecimentos que nos interpelam, podemos recomeçar a trabalhar e a beber café com uma maior consciência de quem somos e do que andamos aqui a fazer. Acabou o tempo em que muitos de nós vivíamos anestesiados nas “nossas coisas” – descobrimos que elas desaparecem assim, pufff, de repente. Mas pode realmente começar um tempo novo, em que pelas portas dos prédios sairão pessoas mais maduras e desejosas de encontrar o seu destino.

Há, ainda, outra maravilhosa possibilidade. Que os nossos filhos nos vejam viver assim. Até agora, viram-nos a ser gestores da vida. Perfeitos project managers porque a vida era um projecto nosso. De hoje em diante, temos que escolher como queremos viver porque essa será a hipótese de sentido para isto tudo que os miúdos vão usar para compreender o que lhes está a acontecer. Essa sim, é a nossa missão em estado de emergência. Decidir como queremos viver, como queremos educar em estado de emergência.

Hoje de manhã, umas amigas comentavam nos grupos de whatsapp que “agora somos todos educadoras”. Referiam-se a educadoras de infância porque estão em casa com os filhos mas fiquei a pensar nisto porque é mesmo verdade. Agora não se pode fugir: somos todos educadores. Temos é que decidir como queremos educar… Para entreter os miúdos, há mil possibilidades na internet, há filmes na televisão, há jogos, enfim, infinitas coisas para fazer. Mas educar não é entreter, nem fazer um conjunto de actividades. Educar é oferecer uma hipótese de sentido para a vida, propor um caminho que se possa percorrer, aceitando os desafios das circunstâncias como a terra que pisamos. Vamos a isto?

Catarina Almeida