Era aquilo que tinha de ser, por Francisco Guimarães ESTADO DE EMERGÊNCIA: DIA 2 Foi dia de São José. A imagem que temos do nosso pai sofre metamorfoses constantes. Nascemos e é a única pessoa que temos além da nossa mãe. Depois, transforma-se naquele super-herói de capa aos ombros, indicando o caminho com a mão direita enquanto nos leva às cavalitas agarrando em nós com o braço esquerdo mais forte do mundo. É o mais alto de todos, o mais valente, o mais corajoso e na resposta à pergunta “o que queres ser quando fores grande?”, dizemos sempre: “quero ser como o meu pai”. Lembro-me como se fosse ontem de escrever numa folha que gostava de ser produtor de vinhos, não porque gostava de vinhos (felizmente para o progenitor de um miúdo de 8 anos, infelizmente para alguém que naquela idade já deve saber distinguir um Alvarinho de um Antão Vaz), mas porque aquela era a razão do meu pai sair de casa todos os dias às nove da manhã. E se ele saía, eu também queria sair. Por ele, com ele, para fazer como ele. Depois descobri que o meu pai perdia jogos de ténis, que chorava, que não fazia tudo bem e que não o escondia. Não se camuflava com qualidades ilusórias ou com forças inexistentes. Era aquilo que tinha de ser – um pai real, verdadeiro e que, independentemente dos encontrões que levava e leva, lutava para se manter hirto e firme, ainda que não o fosse sempre. É assim que um filho cresce, ciente da liberdade que lhe é dada por alguém estará sempre disponível para um abraço. É esse pai que eu quero ter, é esse pai provoca uma inquietação em mim para ser como ele. Não igual a ele nos defeitos, nas incertezas ou mesmo nas virtudes, mas igual na certeza de que me devo apequenar para me tornar grande, que me devo jogar por inteiro, com tudo o que tenho – incoerências, dúvidas ou convicções, que devo ser aquilo que sou, fiel à realidade, porque essa é a forma de ligar um coração ao outro. Francisco Guimarães