E se eu não conseguir? “No dia doze a menina vai a Azeitão” Até à palavra “menina”, a leitura flui sem problemas. Sem motivo aparente, o nosso herói bloqueia e põe ar de caso. – Sim? – É um vê… e um ai…. – Então vamos ler a palavra toda: um “v” e um “ai”? Silêncio. Mais silêncio. – Foi? Ri-me. É que o livro tinha uns bonecos que podiam dar asas à imaginação. Ele já sabia que no dia doze alguma coisa se passaria com a menina… – Querido, não é para adivinhares, é para leres! – Fugiu? – Ó miúdo! Acompanha as sílabas com o lápis! – Va…ca? Olhei para ele, perplexa. – Professora… E se eu não conseguir nunca? – Como assim? Tu já leste esta palavra muitas vezes, é só treinar. – Não é isso. E se eu não conseguir nunca ler bem, professora? O meu coração ficou apertado. De repente, percebi muitas coisas sobre ele e sobre mim. Ele sabe ler: reconhece as letras, sabe os sons, conhece alguns casos difíceis. Sabe ler. Mas quando tem de ler, em vez de mobilizar as competências que tem, arma-se em taróloga e quer adivinhar o que lá está escrito! Dei voltas à cabeça para perceber porquê. Fácil. Tem medo de não ser capaz, sente-se pequenino, frágil, cheio de limites. O desafio é maior do que ele. A manobra de adivinhação serve para se proteger do inevitável embate com a realidade. Para não ler, tenta adivinhar, pode ser que resulte e se safe. Qual é a alternativa? Confiar na relação comigo, que o posso ajudar a percorrer este caminho, consciente da pequenez, da fragilidade e dos limites que ele tem e está bem assim. Foi exactamente por causa das dificuldades dele que o escolhi para o acompanhar pessoalmente, para que perceba que só crescemos dentro de uma relação verdadeira. Só uma relação verdadeira pode ser maior que os desafios que a vida nos traz. Já não precisamos de adivinhar porque Alguém nos ensina continuamente a ler. Catarina Almeida