Esta estrela parece um amigo

Joana parou um instante no meio dos campos.

«Para que lado ficará a cabana?», pensou ela.

E olhava em todas as direcções à procura de um rasto.

Mas à sua direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente não havia rasto.

«Como é que hei-de encontrar o caminho?», perguntava ela.

E levantou a cabeça.

Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.

«Esta estrela parece um amigo», pensou ela.

E começou a seguir a estrela.

Até que penetrou no pinhal. Então num instante as sombras fizeram uma roda à sua volta. Eram enormes, verdes, roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes gestos. E a brisa passava entre as agulhas dos pinheiros, que pareciam murmurar frases incompreensíveis. E vendo-se assim rodeada de vozes e de sombras Joana teve medo e quis fugir. Mas viu que no céu, muito alto, para além de todas as sombras, a estrela continuava a caminhar. E seguiu a estrela.

in A Noite de Natal, Sophia de Mello Breyner Andresen

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O caminho da Joana não é fácil. O desejo de encontrar o Manuel arde no coração e dá-lhe coragem para enfrentar a floresta mas não lhe resolve os problemas que vão surgindo durante o caminho: a desorientação, o medo, a incompreensão… A Joana teve medo e quis fugir. Que alívio, pensei eu. Nem o desejo de encontrar o Manuel, nem a vontade de rever aquele Amigo que lhe tinha marcado a vida para sempre, fazem da Joana uma super-miúda capaz de enfrentar as sombras. Só o imprevisto encontro com a estrela – que parece um amigo – a faz caminhar. Porquê?

Ao longo do caminho, a experiência da Joana foi-se revelando muito diferente do entusiasmo que a tinha feito começar a sua aventura. A luz foi substituída por sombras, a Gertrudes por árvores assustadoras, a alegria do Natal pelo medo da floresta. E tudo isto dá vontade de fugir, claro!

Só que… ao longo do caminho da Joana, tal como no nosso, por milésimos de segundo, volta a acontecer o mesmo sobressalto do início, do primeiro momento de certeza. Esta estrela parece um amigo é a misteriosa frase com que Sophia nos lembra que não caminhamos sozinhos. A aventura da vida é seguir as estrelas, as pequenas e raras estrelas que nos conduzem até ao lugar que queremos; seguimo-las porque experimentámos e continuamos a experimentar a mesma correspondência do dia em que o coração vibrou pela primeira vez.

Desejaríamos que fosse assim sempre, que todas as estrelas parecessem aquele Amigo, que os copos brilhassem todos os dias sem sombras e que o caminho não nos metesse medo. Mas eu cá dou por mim a pensar: se a Joana não tivesse medo, se o pinhal não fosse assustador, se as frases dos pinheiros não fossem incompreensíveis, teria ela reparado na estrela que era como o Amigo e que a conduziria até Ele…?

Catarina Almeida