Estaríamos bem arranjados…

Quando Babushka chegou ao presépio, ficou desolada. Apercebeu-se que tinha dado todos os presentes que eram para o Menino. Tinha-os dado às pessoas que fora encontrando pelo caminho.

Maria, sem hesitar, descansa-a:  Tudo o que deste com amor deste-o também ao meu filho.

Resolvida a sua objecção, estaríamos à espera que Babushka entrasse e se comovesse com o nascimento daquele Menino, cuja notícia a tinha atraído ate lá; ou que se questionasse sobre o facto de todos os presentes que tinha dado estarem junto a Ele no meio das palhas…

Surpreendentemente, Babushka pensa: Olhem para estas teias de aranha. Vou já limpá-las.

As limpezas eram a sua distração, a sua ilusão de que é o nosso fazer que constrói o mundo. Tratado o problema que ela mesma identificava – como poderia entrar sem ter um presente para dar? – o mais importante era agora realizar a tarefa a que se tinha proposto: limpar um estábulo todo sujo.

Foi então que o menino estendeu os braços e sorriu. Os seus olhos pareciam a noite estrelada e profunda. O seu sorriso era o próprio amor. Babushka sentiu uma estranha sensação que a fez esquecer as limpezas.

Gosto muito deste texto de Sandra Ann Horn porque me lembrou que a questão mais importante é que o Menino estende os braços e sorri.

Nós, distraídos nas nossas tarefas (justas e necessárias), fazemos como a Babushka… Podem vir os anjos, nós mandamo-los limpar os pés e eles fogem para longe; podem vir os reis convidar-nos para ir com eles, nós não temos tempo para viajar porque senão “quem é que lava a loiça depois?”… Os outros causam-nos a sensação de empecilho para fazer o que temos a fazer porque nos desfocam o olhar, porque mexem com o nosso coração e isso incomoda. Às vezes dói.

Estaríamos bem arranjados, não fosse o Menino estender as mãos e sorrir. O sorriso desse Menino é o próprio amor e, por isso, vence tudo. Tudo o que dói, tudo o que incomoda, tudo o que à partida não quereríamos, é necessário. É quase desejável para podermos também nós pegar o Menino nos braços e esquecer as limpezas.

Catarina Almeida