Há mais e mais por desvendar!

Aqui há uns tempos, li críticas ferozes a escolas heterogéneas no 1º Ciclo, ou seja, com alunos de vários anos na mesma sala, como se de um retrocesso civilizacional se tratasse. Fiquei bastante surpreendida porque eu fiz a escola primária assim mas, sobretudo, porque pensei se estaríamos a sujeitar os nossos alunos da Escola no Chiado a um ensino pobre e rudimentar.

Na Escola dos Mártires, só há uma sala, onde estão todos os meninos do 1º ao 4º ano. Arrumam-se por grupos de anos e trabalham em grande grupo, em pequeno grupo e individualmente. Têm um professor titular e uma professora de apoio durante os tempos da manhã e aprendem, além de Português, Matemática e Estudo do Meio, Inglês, Artes e Música.

A Escola tem uma sala de aula, uma sala de apoio, o gabinete dos professores, um refeitório e uma copa. Também tem a melhor vista sobre a cidade de Lisboa, que permite ver desde o Terreiro do Paço até ao Jardim do Torel.

Nesta Escola, as crianças chegam de manhã e começam o dia todos juntos, com os seus professores. Sabem que uns vão fazer isto, outros aquilo; sabem que o professor agora vai estar meia hora com os mais pequenos e, por isso, os mais crescidos retomam o trabalho que estavam a fazer no dia anterior; sabem que o professor está a fazer exercícios com os do meio e que, enquanto esperam a sua vez, têm um livro debaixo da carteira para ir lendo; vão aprendendo a organizar os seu tempos, os seus materiais, os seus interesses, de forma inicialmente tosca, claro!, são pequenos, mas que vai progressivamente crescendo.

Uns aprendem os nomes das letras, aprendem a juntá-las, ao mesmo tempo que os amigos do lado já lhes chamam palavras e os a seguir até distinguem as suas variantes e classificações… Enfim, é assim também com os números, as contas, os problemas… Tudo é para ser descoberto e, à medida que entram na aventura do conhecimento, dão-se conta que há mais e mais por desvendar!

Nesta Escola não há recreio. Quer dizer, há o recreio da rua, que é um Largo no meio do Chiado, onde os alunos brincam sem tablets, sem telemóveis, sem bolas porque é perigoso, sem escorregas, sem baloiços. Brincam eles, uns com os outros, com o corpo e a imaginação. Inventam brincadeiras, jogos e torneios. As pessoas passam, sorriem, afligem-se porque “e se eles vão para a estrada” e nós sorrimos e respondemos “estamos a ver, obrigada”. Às vezes, no recreio, vamos aqui ou ali, porque solicitações em pleno centro da cidade não faltam… Divertem-se a valer e são muito felizes.

Os nossos alunos têm poucos recursos materiais e instalações diminutas. Estes mesmos alunos chegam todos os dias, ao longo de quatro anos, a uma sala de aula onde o mundo irrompe pela janela: o rio, o castelo, as casas, a calçada portuguesa, o barulho dos elétricos, os barcos a chegar, o presidente da câmara a saudar atletas, as marchas a passar, enfim… Os alunos da Escola dos Mártires têm a certeza que tudo é para ir aprendendo, devagarinho, que há uma ordem nas aprendizagens, que os professores sabem conduzir o percurso que têm pela frente, no fundo, sabem que ali podem descobrir o mundo e os seus significados.

Quem me dera saber sempre que a vida é como nesta Escola: uma aventura que nunca acaba, que ganha um gosto incrível na companhia dos amigos, que tanto as alegrias como as dificuldades podem ser ocasiões de gratidão e criatividade. Que somos feitos para viver assim, a caminhar mais e mais, a ver mais e mais o que faz vibrar o coração.

Pobre e rudimentar? Acho que não.

PS: To be continued sobre o que é que isto tem a ver com sucesso nas aprendizagens, os desafios da tecnologia e de saber saltar à corda no 2º ano…

Catarina Almeida