Mas isso serve para quê?

Numa aula de literatura inglesa, estávamos a analisar o Winter’s tale. Gosto muito destas aulas, porque não se trata só de ler e saber contar a história, resumindo-a, “isso a internet sabe fazer”, diz a professora, mas de a partir daí ir mais a fundo no texto. Numa frase a que sozinha não dei importância ou não percebi, de repente a professora mostra como está ali uma referência a outros textos, autores, mitos.

Escreve-se sobre tudo o que é humano, tudo o que faz parte da vida, portanto para perceber uma obra a fundo, é preciso conhecer muitas coisas, desde as ciências, à matemática, aos textos clássicos, para poder aproveitar melhor o que lemos.

Estava mesmo imersa no diálogo sobre aquela obra de Shakespeare. A certa altura, estávamos a ler uma parte da peça em voz alta e a professora manda parar.

-“Esta última fala, “who’s there?”, onde é que já viram isto em Shakespeare?”

Depois de algum silêncio, alguém diz:

-“É assim que começa o Hamlet, professora.”

-“Exatamente!”

Começámos a analisar melhor essa pergunta “who’s there?”, para ver se de facto havia relação entre os dois textos que estávamos a ler. É verdade, o Hamlet também começa assim, mas nunca me teria lembrado disso sozinha. Fiquei mesmo espantada, porque, em geral, as pessoas à minha volta são interessadas, procuram, lêem, relacionam matérias. Saio das aulas com a sensação de ter descoberto mais um bocadinho do mundo. E com a noção de que ainda há muito para ler. No fundo, saio com vontade de estudar, e isso só pode ser bom.

Contente, contei esta aula a um amigo de um curso mais científico, que percebeu o meu entusiasmo. Mas a brincar, em tom de desafio, disse:

-“Mas isso serve para quê?”

Ri-me. É bom ter amigos que fazem pensar. De facto, naquela aula o que tínhamos era um grupo de vinte ou trinta pessoas a olhar para palavras. Para que é que isso serve? Não mata a fome a ninguém, não constrói prédios nem gere empresas. Mas em nós muda alguma coisa, faz-nos entrar em diálogo com um autor que nunca vimos nem vamos ver, tentar perceber o que alguém, através de palavras, nos tentou dizer.

Talvez não “sirva” para nada, no sentido utilitário do termo, mas ainda bem que há coisas que se fazem só pelo gosto de conhecer.

 

Constança Duarte