Miguel Araújo – um músico que é professor de liderança em part-time

“I went to the woods because I wished to live deliberately (…). I wanted to live deep and suck out all the marrow of life (…)” 

Thoreau

Uma parte deste excerto do poeta americano Thoreau é citado no filme Clube dos Poetas Mortos. Sinceramente, apesar de me ter ficado na cabeça quando vi o filme, nunca tinha pensado verdadeiramente nele até há bem pouco tempo. No fundo, clama por uma atenção a tudo o que nos rodeia – aos outros, à beleza, à justiça e à verdade, para que nasça em nós um olhar renovado do mundo em que vivemos. É muito fácil a banalização daquilo que vemos, é perigosa a distração perante cada circunstância, é possível ficar aquém nas coisas que experimentamos. Contudo, não podemos deixar de tentar acolher na nossa mente e no nosso coração as coisas que nos acontecem. Digeri-las ou perceber o seu significado são tarefas árduas mas, a meu ver, essenciais, para que, numa interligação do nosso olhar com a vida, irradiem em nós novas perspectivas que faça do nosso caminho algo com um sentido.

A propósito deste preâmbulo, fui recentemente a mais um concerto do Miguel Araújo. Admiro-o muito, não só pela suas músicas e letras, mas também por aquilo que ele é. Aliás, é quase tudo a mesma coisa, tudo se cruza na mesma personalidade.

A noite era de verão, mas o frio trespassava a multidão que se aglomerava em Oeiras para assistir ao concerto. Havia uma brisa fresca que despertava o movimento e a união. O palco era de uma dimensão bastante razoável, para que coubesse toda a banda conduzida pelo vocalista do Norte. Eram cerca de 10 elementos no frontstage e mais uns quantos no backstage, cada um com a respetiva missão de dar vida ao concerto para que, através de sonoridades diferentes, conseguissem fazer da música um elemento único. E foi neste preciso momento, em que toda a banda começou a tocar, que se deu um clique em mim.

Olhei para o Miguel Araújo e constatei uma entrega total, um brio ensurdecedor e uma capacidade aparentemente paradoxal de ser pacato, alegre e contagiante. Desviei os olhos para os seus músicos – uns dançavam enquanto tocavam, como se estivessem a fazer aquilo pela primeira vez; outros, mais tímidos, faziam dos seus gestos sobre os instrumentos uma forma de comunicação. Havia cansaço, havia rouquidão, havia falhas, coisas que simbolizam a própria vida, mas nada se sobrepôs à seriedade de quem dá tudo o que tem, à simplicidade que faz emergir o talento de cada um, à alegria de quem gosta de trabalhar numa amizade verdadeira. Nunca, mas nunca facilitaram naquilo que era importante, e por isso é que as coisas saíram assim, tão genuínas, tão impactantes. Uma dezena de personalidades, tantas formas de pensar diferentes umas das outras e, ao mesmo tempo, tanta comunhão. Um líder que sabe sair de cena e dar lugar aos outros, sem nunca perder o seu lugar de quem tem de mandar, de quem tem de tomar decisões. Todos se destacam porque se conhecem verdadeiramente, todos vibram com aquilo que mais gostam de fazer e nada, nada se desmantelou. E que difícil que isto é.

Como o próprio diz numa das suas letras: “Tudo o que é de dar dói, o que não dói não dá.”

Fiquei esmagado por este exemplo. Gostava que as minhas equipas fossem sempre assim.

 

 

Francisco Guimarães