Minha Senhora, o seu filho precisa de si!

As viagens nos transportes públicos são sempre uma excelente maneira de conhecer a sociedade.

No outro dia, no comboio, estava ao lado de duas senhoras que falavam da sua vida. Uma delas, começou, de forma muito decisiva e orgulhosa, a relatar à outra o castigo exemplar que estava a aplicar ao seu filho de 9 anos que não se estava a safar muito bem na escola. No seu jeito determinado, dizia que tinha tido uma conversa com ele onde definiu regras “até as coisas mudarem”. Quando ele chegasse da escola teria que estudar no seu quarto durante uma hora, não teria acesso a qualquer tipo de tecnologia para recreação, não abriria os seus presentes de natal, não teria programas com amigos ao fim-de-semana e arrumaria a cozinha depois do jantar (“enquanto eu e o pai ficamos no sofá”). No meio de todas estas regras lá referiu que o jovem pré-adolescente teve o desplante de pedir ajuda dos pais para estudar, “mas eu já fiz a quarta classe há 40 anos, as coisas mudaram, tu tens é que estar atento na aula em vez de estares a brincar, não é o nosso papel”.

Aqui foi a gota de água. Tive mesmo que me controlar para fingir que não a estava a ouvir. Só me apetecia dizer-lhe bem alto: “Minha senhora, o seu filho precisa de si!!”.

Como é que é se pode conceber qualquer tipo de modelo educativo sem relação? Sem olhar para a criança e perceber o que se passa com ela, perceber a sua realidade.

Como pais, não podemos ter a presunção de que se eliminarmos todas as coisas da sua vida que consideramos nocivas, a criança vai magicamente, na sua solidão, discernir o que está de errado na sua vida e definir um caminho de mudança dentro das quatro paredes do seu quarto.

Quando eu era animadora nos escuteiros, quantas e quantas vezes tentei que um grupo de crianças dos 6 aos 9 anos descobrisse sozinho como é que se monta uma tenda convenientemente. Foi só depois de tirar o tempo para as ouvir que percebi que muitas delas nem nunca tinham visto uma tenda montada quanto mais saber por onde começar a montagem. A tenda até pode ter caído a meio da noite nas primeiras vezes, mas pelo menos rimo-nos em conjunto, porque também eu fiz parte da sua descoberta.

Madalena Lage Ferreira