Mudar muitas vezes, por Catarina Almeida Estamos todos conscientes de estar a viver uma circunstância única, mas é também uma ocasião imperdível. A meu ver, é uma oportunidade para compreender as preciosas palavras de John Henry Newman: to live is to change, and to be perfect is to have changed often. É um momento em que dizer “viver é mudar”, é uma constatação. Não é possível viver os dias actuais sem mudar. Somos obrigados a mudar as nossas rotinas, os nossos programas, até as nossas prioridades. Cada família tem de repensar e mudar a maneira como organizava o dia-a-dia, quase por uma questão de sobrevivência. Assim, diz esse grande santo, se alcançará a perfeição, por ter mudado muitas vezes, por ter cedido frequentemente às exigências da realidade, que se impõe aos olhos e aos corações, e pede para ser acolhida. A mudança é, neste sentido, um abandono e uma escuta. Primeiro, um abandono porque o nosso protagonismo se joga, antes de mais, em receber tudo o que acontece como dávida. Depois, em escuta, porque é uma dádiva que fala. Neste tempo de pandemia é, aliás, um dom que grita violentamente. Para os educadores, este grito é urgente. Podemos gritar nós, com a falta de meios, a falta de informação, a falta de condições. Podemos gritar pelo que falta para que consigamos fazer as aulas “como deve ser”. Ou então, podemos deixar a realidade gritar e ouvi-la, inclinarmo-nos para compreender o que nos está a comunicar, para desvendar o sentido de estarmos isolados nas nossas casas, impedidos de entrar diariamente nas escolas, encontrar os nossos alunos e comunicar-lhes a nossa paixão pelo conhecimento. Tenho procurado escutar esse grito, também através da companhia de muitos educadores atentos e humildes. Uma das coisas mais impressionantes que surge nas conversas que tenho tido com pais e professores, mas também das reflexões de intelectuais ou intervenções de governantes, é a unanimidade com que todos afirmam que nenhuma criança cresce sem relação com um adulto. Há bem pouco tempo, esta frase gerava controvérsia, sobretudo nas discussões sobre pedagogia e didática, com altos clamores pela ideia de que o professor é mediador, é organizador, é alguém que proporciona condições para a criança conseguir construir o seu conhecimento. Em menos de nada, estas teorias caem por terra porque não se sustentam perante o impacto da situação que vivemos. Em menos de nada, a única condição aceite e desejada pelos educadores é a relação porque sem ela não existe educação. Ontem, um antigo ministro referia até o papel da afeição, ao analisar a questão da escola à distância e a telescola, com conteúdos apresentados por pessoas com quem as crianças não têm relação, com recurso à tecnologia. É urgente rever os “sonhos” da escola digital e dos robots que substituem professores, à luz do que estamos a viver agora. Alguns defendiam acerrimamente uma revolução nas escolas, que tinha como premissa a superação da “antiga” ideia da presença e do papel do professor. “O professor não pode impor-se, tem que ser neutro, tem que ser quase invisível para que as crianças possam ser livres”. Pois bem, este é o momento de arregaçar as mangas. É muito libertador deixar as nossas ideias serem corrigidas pela realidade porque não se trata de saber “quem tem razão” mas a questão é como viver melhor. Como mudar. Podemos, assim, “mudar muitas vezes” e redescobrir esta relação imprescindível que faz as crianças crescer. Catarina Almeida