Nós e os outros

“É tentador pensar que as pessoas crescem como plantas, que se junta adubo à semente e dela nasce uma planta individual. Mas não é assim. Os cérebros dos mamíferos só se desenvolvem bem quando conseguem encontrar-se com outros. (…) Nos anos 1930, H.M.Skeels estudou órfãos com deficiências mentais que viviam em instituições e depois foram adoptados. Ao fim de quatro anos, os seus QI divergiam cinquenta pontos em relação aos dos órfãos que não tinham sido adoptados. E o mais notável é que os que foram adoptados não tiveram o benefício de tutores ou ensino. As mães que os adoptaram sofriam também de deficiências mentais e estavam internadas noutras instituições.”  David Brooks in O Animal Social.

Olho à minha volta e reflito. Estou a dar um treino à minha equipa e, em meu redor, vejo que estamos a educar os jogadores com base numa ideia de que cada um é responsável por si e nada mais. “- Só dependo de mim!”, dizem uns; “- Cada um se preocupa com a sua tarefa!”, gritamos nós, treinadores, sem perceber que, inconscientemente, estamos a fomentar nos nossos jogadores e os nossos miúdos um individualismo que é desfasado face à realidade que nos rodeia. É verdade que todos necessitam de autoconfiança ou capacidade para tomar decisões de forma individual mas é nosso dever educar de forma verdadeira e o século XXI necessita de pessoas que saibam que só atingem uma meta se houver um “outro”.Um jogador treinado por mim tem de perceber que esse “outro” é vital para o seu crescimento e que esse crescimento é mútuo, fazendo sempre brotar um bem maior, seja uma equipa mais coesa, uma turma com melhores notas ou mesmo uma sociedade mais livre, mais aberta e, sem duvida nenhuma, mais desenvolvida.

Há muito pouco tempo recebi uma mensagem de um grande amigo meu que, por curiosidade, é também amigo de jogadores que já treinei. Aliás, foi por isso que nasceu uma bela amizade. Ele que é um ótimo jogador, cheio de qualidades essenciais para se tornar profissional de futebol, vive ainda com a sensação de que tudo depende dele e que as derrotas e os fracassos devem ser superados com uns headphones nos ouvidos para ficar isolado do mundo. Claro que é necessária uma reflexão individual profunda, esse é o primeiro passo, mas é-nos pedido mais se queremos realmente ser bem sucedidos num mundo que implora por relações.

A mensagem que recebi dele dizia: “Não fui convocado para o jogo”. O que realmente me dá alento é que eu não lhe tinha perguntado nada, mas houve no seu interior uma necessidade fundamental e legítima de receber conforto, motivação e compreensão por parte de um “outro”, que neste caso era eu. Mesmo que seja uma dor solitária, a capacidade de a partilharmos pode fazer dela uma barra energética emocional. É na mensagem que recebi que percebo que o crescimento se faz com relações num encontro verdadeiro com os outros. Por vezes, basta a presença.

Francisco Guimarães, treinador de futebol