O Encenador sabe o que anda a fazer…? Nas aulas de teatro, temos três grupos: os actores, os músicos e os que se ocupam da produção. Ao longo do ano trabalhamos separadamente: os actores estudam as personagens, ensaiam as cenas, dedicam-se a entrar na vida de pessoas antes desconhecidas; os músicos estudam as possibilidades, escolhem temas, fazem arranjos, ensaiam vozes, tudo para transmitir ao público o coração da cena através da música; os “produtores” assistem a isto tudo, “comentando”, estudando soluções cénicas, testando adereços e figurinos, investigando sobre penteados e decorações… Imaginem agora que estes três grupos são compostos por cinquenta adolescentes… Todos – uns com mais veemência, outros menos – reivindicam protagonismo, no bom sentido, procurando que o aspecto de que se ocupam não perca visibilidade. Além disso, todos – uns mais, outros menos… – querem dar a sua opinião sobre as escolhas da encenação. No meio disto tudo, há duas adultas (uma mais, outra menos…) encarregues de coordenar esta barafunda. Eu sou uma delas e por causa desta barafunda tive uma espécie de epifania! Os nossos alunos estão tão empenhados e concentrados na sua tarefa que têm muita dificuldade em ver a big picture, em visualizar a peça no seu conjunto e como produto final de um trabalho comum. Quando nós damos indicações de conjunto, eles reagem imediatamente a dizer que não percebem como é que aquilo pode ficar bem! Uns a cantar, outros a representar, outros a pôr e tirar mesas do palco… tudo ao mesmo tempo!? – Olhe que vai ficar uma confusão!… – Tem a certeza? Será que fica bem? – Não consigo perceber como se pode fazer assim mas se as professoras acham bem…! De repente, dei-me conta que havia uma espécie de “graus de incompreensão”. Alguns dos gaiatos são nossos alunos há muitos anos, outros há alguns anos, outros há nenhuns anos – porque este é o primeiro… E dei-me conta que os graus de (in)compreensão se relacionavam proporcionalmente aos anos de caminho feito em conjunto. Não que seja uma regra geral e abstracta, mas a epifania descansou o meu coração… Percebi que eu sou igual aos miúdos! Quantas vezes a minha dificuldade em aderir às circunstâncias tem a ver com uma total incapacidade de ver o fim da história, a peça finalmente montada, cantada, representada! Só um bem presente, só uma positividade actual é capaz de me fazer dizer “sim”. E esse bem acontece no presente porque se alimenta hoje de uma relação feita de memória e de afeição real, que me faz confiar que o Encenador sabe o que anda a fazer… Catarina Almeida