O espantoso sofrimento do mundo Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor. Sophia de Mello Breyner Andresen, Arte Poética III O esplendor do mundo e o sofrimento do mundo caminham juntos e, por isso, às vezes o que resplandece e espanta conduz ao sofrimento. E o esplendor espanta tanto como o sofrimento. E o sofrimento espanta tanto – ou mais! – que o esplendor. Têm a mesma origem, nascem da mesma fonte que é aquela misteriosa presença que habita todas as coisas e que nos interpela no esplendor e no sofrimento, como um véu ou uma sombra. Para ver esse presença, para abraçar o fenómeno, para ver todo o fenómeno, é preciso atenção, sequência e rigor. Quando nos apaixonamos, quando nos entusiasmamos com um trabalho novo, quando nos espantamos com o esplendor do mundo, tudo chama por nós. Um segundo depois, começa o sofrimento do mundo. Que também chama por nós e do qual rapidamente queremos fugir. O fenómeno que resplandecia apresenta-se, um minuto, uma hora, um ano depois sob a aparência de sofrimento e a gente foge. E a gente foge e não se espanta com o sofrimento do mundo, nem com o nosso. E, por isso, não vemos todo o fenómeno. É por isso que aos meus alunos peço atenção, sequência e rigor. Mais. Desejo oferecer-lhes atenção, sequência e rigor. Um ano depois de nos digladiarmos semanalmente com sessenta macacos adolescentes, eis que se vê todo o fenómeno, eis que irrompe o esplendor do mundo e o sofrimento do mundo. Semanas e semanas de desobediência (que também era medo), de moleza (que também era insegurança), de recusas e tensões (que também eram gritos e pedidos de ajuda). Semanas e semanas de sofrimento para ver o espantoso esplendor do mundo através de uma peça de teatro sobre o amor, sobre dar a vida por amor. E, na meta, ao cortar a fita, tudo resplandece. Tudo se ilumina e aprendemos que com tentativas de atenção ao que acontece e nos interpela, dando sequência aos previstos e aos imprevistos, olhando para a vida com rigor, com realismo, podemos viver à altura do nosso coração. Catarina Almeida