O José Mourinho de 2019, por Francisco Guimarães

“A felicidade é um coisa louca
Mas tão delicada, também
Tem flores e amores de todas as cores
Tem ninhos de passarinhos”

Vinicius de Moraes

Falta cerca de uma semana para que se complete um mês desde que José Mourinho é treinador do Tottenham. Talvez esteja na altura de se fazer uma breve reflexão. Comecemos do princípio:

O novo treinador do Tottenham está prestes a entrar na conferência de imprensa para falar pela primeira vez aos jornalistas. A curiosidade faz-se ouvir, as bocas de quem está presente cochicham entre elas e o entusiasmo de olhar de novo para José Mourinho é vivido intensamente. As portas abrem-se, as câmeras apontam para cima e os flashes ecoam por uma sala cheia de bocas abertas de espanto. E nisto, entra José Mourinho.

Foram tempos conturbados, é certo. É verdade que Mourinho continuou a vencer na sua segunda passagem pelo Chelsea, é verdade que Mourinho foi o melhor treinador do Manchester United numa sucessão muito complicada de Sir Alex Ferguson, é verdade que Mourinho deixou sempre vincada a sua marca de vitória por onde passou, mas… tudo parecia diferente – as vitórias tinham perdido valor. 

Façamos agora um exercício de memória: pensemos no Porto em 2003, no Chelsea em 2004, no Inter em 2008 ou no Real Madrid em 2010. Pensemos no Chelsea mais recente ou no Manchester United, por exemplo. Olhando para estas equipas, todas elas vencedoras, quais recordamos com alegria? Quais delas ficaram verdadeiramente marcadas nas pessoas? E será que foi apenas por terem ganho tudo o que havia para ganhar?

Num mundo recheado de obstáculos que clamam por vitórias a todo o custo, estamos convencidos de que a excessiva competividade da nossa sociedade moderna nos levará a bom porto e, com isso, ficamos condicionados por uma visão de que ganhar é suficiente. Perdemos a nossa liberdade e, toldados por esses estímulos, presumimos que o lucro é a principal prioridade dos novos tempos. Com isto não desejo retirar qualquer importância às vitórias de uma equipa, às conquistas de um povo ou ao lucro de uma empresa. Todos nós, quando acordamos de manhã, acordamos com um desejo de vencer, de nos superarmos, a nós e aos outros, e é essa nossa dimensão de transcendência que nos dá a possibilidade de dar passos de grande dimensão, é ela que nos move. A minha grande preocupação é que, quando vamos à procura de uma luz triunfante, esta seja uma consequência do sentido que damos às coisas, do bem que queremos para os outros ou da verdade e beleza que buscamos no nosso trabalho. 

É por isso que quando olhei para a entrada de José Mourinho na sala de imprensa o meu sorriso foi contagiado pelo dele. Para explicar o meu entusiasmo, recorro a uma entrevista que deu recentemente, pouco antes de ser anunciado como novo treinador do Tottenham: “Quero ser fiel a mim próprio, aos que me amam, aqueles que sempre me seguiram. Tenho uma responsabilidade enorme, junto de tanta gente para quem sou uma referência, para tantos jovens para quem fui uma luz. Tenho a responsabilidade de ser José Mourinho até ao último dia.”

Esta sua forma de estar é premonitória de coisas boas, as primeiras imagens como treinador da equipa londrina manifestam uma proximidade com os seus jogadores que é geradora de confiança e na sua apresentação foi muito claro acerca do seu caminho: “Sei que posso desenvolver um trabalho fantástico aqui. Numa escala de zero a dez, quão feliz estou com a decisão? Dez. Durante a minha carreira cometi erros e agora não vou voltar a cometer os mesmos. Mas cometerei erros diferentes. Sou humilde o suficiente para analisar a minha carreira e os meus erros. Fiz a minha análise no último ano e não há ninguém para culpar. A pausa que fiz foi muito positiva para mim. Ter o primeiro Verão em que não trabalhei, não foi bom, estava um pouco perdido. Mas foi bom para mim, aprendi algumas coisas. Nunca perdes o teu ADN, a tua identidade, mas deu para pensar em coisas novas.”

O José Mourinho de 2019 é o mesmo que alavancou o meu sonho de me tornar treinador de futebol, em que da sua paixão brotou a minha, que desejo também, com ela, contagiar cada uma das pessoas que trabalha comigo. O José Mourinho de 2019 é o mesmo que se faz humilde para assumir os seus próprios erros e que reconhece que estava perdido, como o cavaleiro da Dinamarca que “(…) já não sabia há quanto tempo caminhava, e a floresta era como um labirinto sem fim onde os caminhos andavam à roda e se cruzavam e desapareciam.” 

O José Mourinho de 2019 foi ao mais profundo de si mesmo à procura daquilo que o tornou um vencedor, não só nos títulos, mas na marca indelével que deixou no mundo. O José Mourinho de 2019 é o José Mourinho: aquele que se joga por inteiro com os seus defeitos e qualidades, que sabe o que quer e para onde vai, que é manso, competitivo, sereno, com um coração à procura de coisas grandes, com um sentido de humor arrebatador, com uma alegria apaixonante, com uma confiança inabalável, centrada num desejo de beleza, verdade, justiça e liberdade. 

Espero sinceramente que o José Mourinho de 2019 seja o de sempre e para sempre, que nos desafie a pensar, que reme contra a maré do politicamente correto, que seja capaz de transformar o Tottenham numa equipa que, para além de ganhar, se torne numa referência pela forma de estar em campo aliando a organização, a coragem para correr riscos e a genialidade.

Welcome back, José.

Francisco Guimarães