O problema é a solidão, por Catarina Almeida Lembro-me perfeitamente da chegada de um enorme computador a minha casa. Deveria ter onze ou doze anos, quando o monumental objeto entrou pela porta e aterrou em plena sala de estar. Não tínhamos uma divisão dedicada especialmente ao escritório, mas sim um simpático cantinho com uma secretária vermelha que servia bem o propósito. Instalou-se o proeminente bicho: eis que nos tornáramos uma casa moderna! A emoção era grande. Computadores só os tinha visto em casa dos meus tios, porque os meus primos andavam na faculdade e usavam processadores de texto e outras funcionalidades que me fascinavam. Também tinha visto computadores nos escritórios dos meus pais, onde naturalmente eram indispensáveis para trabalhar. O bicho tornou-se uma atração: podia fazer trabalhos para a escola, jogar Prince of Persia e até fazer desenhos no Paint! Não me lembro se era possível fazer buscas de informação; suponho que sim, mas não guardo essa memória, e creio que isto se deve à certeza de que dispunha de toda a informação necessária nos livros, nas bibliotecas e nos meus sábios parentes e amigos, a quem recorria com frequência. Tornei-me rapidamente num ás informático. A minha mãe, por seu lado, fez um curso, mas eu ia com ela, porque gostava do programa e porque o MS DOS e o seu diretório C: era um mundo incrivelmente interessante. Confesso que ainda deliro com computadores, aplicações, funcionalidades e raramente ando sem um espécime destes atrás. Anos mais tarde, em casa de uma pessoa que muito estimo, reparei que o seu filho de onze ou doze anos tinha o computador no quarto. Além do computador, tinha uma parafernália de acessórios que me causou – confesso – uma certa inveja. Reuníamo-nos nesse dia para uma qualquer festividade e eu, na sala com os crescidos, invejava o rapazola que passou todo o tempo no quarto a jogar com amigos no computador. Já não era o Prince of Persia – o que compreendo, dada a lentidão dos bonecos que até a mim me enfadaram -, mas pareciam jogos realmente divertidos, tipo Paintball, mas no computador. Nesse dia, voltei para casa a pensar nesse rapazola. Lembrei-me do mono na secretária vermelha, que uma vez ampliadas as funcionalidades, passou a servir para eu conversar com amigos fora da escola (no mIRC), para escrever textos pessoais no Word (e já não no Text ou lá como é que se chamava). Aquele mundo de possibilidades aparentemente infinitas, situado no centro da minha casa, com progenitores, irmãos e pessoas dessas tipologias sempre a passar; esse mundo a que eu começava a pertencer, estava dentro do mundo a que eu pertencia realmente. A minha mãe questionou-me duas ou três vezes sobre livros que eu trazia da biblioteca, sobre os seus temas e autores; do mesmo modo, me perguntou com quem estava eu a falar no mIRC, se os conhecia e se não achava estranho falar com desconhecidos. Eu mostrava-lhe as conversas e tinha a certeza de que ela as achava completamente idiotas – e eram, realmente. Quando voltei para casa a pensar no rapazola dentro de um quarto fechado, interroguei-me sobre o que seria viver sozinho naquele mundo, sem uma companhia real à sua vida em todos os âmbitos: quem se interessaria pelos livros que lê, pelos amigos com quem joga e fala, pelos temas que o fascinam e sobre os quais pesquisa na internet. O problema não está, logicamente, no local onde se coloca o computador; nem sequer se pode atribuir as dificuldades aos alegados malefícios da tecnologia. O problema é a solidão. Que solidão vivem os nossos jovens, confinados muitas vezes a uma vida sem companhia madura e capaz de ajudar a dar sentido às efervescências e às preocupações que a adolescência sempre traz. Penso em mim e nos rapazolas que começam a descobrir o mundo real, onde o mundo virtual tem um espaço relevante e necessário, e penso que grande parte do segredo está em recuperarmos o valor de uma vida em comunidade. Pois que somos uns dos outros, desejo que ninguém se sinta abandonado nas suas descobertas e nas suas perguntas. Catarina Almeida