O caminho necessário para alargar o coração e a razão 

Oriana levantou-se e, com a cara coberta de lágrimas e as mãos cheias de terra, pediu à Rainha das Fadas:
– Dá-me outra vez as minhas asas! Dá-me outra vez a minha varinha de condão! Perdoa-me a minha vaidade. Eu sei que faltei à minha promessa, sei que abandonei os homens, os animais e as plantas da floresta. O peixe encheu-me de vaidade com os seus elogios. Olhei tanto para mim que me esqueci de tudo. 

in A Fada Oriana, Sophia de Mello Breyner Andresen

A voz “alta, direita e severa” da Rainha das Fadas confrontou Oriana: tinha faltado à sua promessa e tinha abandonado a floresta. Assim, a fada deixou de ter asas e perdeu a varinha de condão.
Enfrentar o próprio mal é uma resistência em que nos revemos tantas vezes. Fizemos mal, distraímo-nos, abandonámos, deixámo-nos seduzir pelo nosso reflexo. Oriana rapidamente percebe que quer voltar a ser como dantes. Podia justificar-se, podia desculpar-se ou podia até refugiar-se no agrado momentâneo que o seu reflexo lhe dava. Sophia não faz acontecer assim. O arrependimento súbito de Oriana revela a insatisfação que a dominava… A beleza, os elogios do Peixe e a paixão por si própria eram – afinal – pouca coisa, diante da possibilidade de deixar de ser uma fada.
A Rainha das Fadas é intransigente: vai ver o mal que fizeste e trata de repará-lo. Aí poderás voltar a ser uma fada com asas e varinha. Só que Oriana não compreende como poderá desfazer o seu mal sem asas e sem varinha! Precisa das asas para voar e da varinha para ajudar… Sem elas, Oriana é apenas uma criatura impotente e incapaz. Tal como nós. Impotentes, incapazes e com um olhar curto sobre a realidade.
Aparentemente, Sophia coloca as coisas em termos de justiça: fizeste mal, desfaz; abandonaste, perdes “os privilégios”. Na minha opinião, não é disso que se trata. Oriana vai agora para a cidade e começa um caminho de conversão, em que não se finge o mal nem o erro, em que as dificuldades assustam e, por vezes, parece que há caminhos sem saída. É o caminho necessário para alargar o coração e a razão.

A Fada Oriana ensina-nos que há momentos na vida em que é preciso fazer um caminho doloroso para enfrentar a nossa natureza débil e cair de joelhos aos pés da Rainha das Fadas a pedir asas e varinhas. O mal de Oriana virá a ser desfeito de uma forma surpreendente que lhe virá a restituir muito mais do que ela poderia ter imaginado. A salvação vem sempre de forma inesperada…

Boa Quaresma a todos.

Catarina Almeida