Olha! Olha!

Ainda a propósito de educar para escolher, de educar para a liberdade… Perdoem as simplificações, as generalizações e a falta de rigor.
 
Grande parte das pedagogias do nosso tempo assentam numa premissa: a autoridade oprime a educação, o adulto enquanto tal esmaga a criança sempre que se colocar numa posição de superioridade. A criança tem direito a desenvolver-se livremente, a escolher o que mais a interessa, sem interferência do grande e malvado pai/educador/professor. O adulto é necessário no processo de crescimento “apenas” como mediador, como orientador. Mas nunca, jamais, em tempo algum, deve ter uma postura de… adulto.
 
Caricatura mais ou menos fiel, este é o credo da maioria dos educadores do século XXI. É compreensível, na medida em que estas pedagogias nasceram como tentativa de libertação de uma educação em que o autoritarismo se confundiu frequentemente com a autoridade verdadeira: quando estamos aflitos, quando estamos na dúvida, quando estamos frágeis… quem não procura uma “autoridade”? Como quase sempre acontece, saltou-se de um extremo para o outro oposto, em busca de pistas mais justas e verdadeiras.
 
Assistimos hoje a um paradoxo interessante. Ao eliminar a autoridade como figura positiva, difundiu-se a consciência de que as escolhas são feitas em função do interesse manifestado “livremente” pelas crianças e pelos jovens. Assim, ilude-se a tarefa do adulto, como se lhe fosse arredado o dever (!!!) de propor alguma coisa. De dizer aos mais novos “olha, eu tenho aqui uma coisa bem gira, queres ver?”. Como se isso fosse sinónimo de opressão.
 
A opressão está em não contemplar e obedecer à experiência natural da criança. Assumimos posições ideológicas sempre que queremos transformar o mundo numa imagem que temos na cabeça, em vez de nos maravilharmos com a misteriosa dinâmica do Ser.
 
Já alguma vez observámos a primeira descoberta de uma criança pequena? Invariavelmente corre para o adulto de referência (a mãe, o pai, a educadora…) e exclama: olha! olha!
 
Já alguma vez  observámos  uma criança média diante das suas dificuldades? Invariavelmente corre para o adulto de referência e aninha-se ao colo, ou agarra-se às pernas, ou chora até ser ouvido, atendido, respondido.
 
Já alguma vez observámos uma criança grande perante um grande disparate ou uma grande conquista? Invariavelmente corre para o adulto de referência – e também para os amigos que reconhece como importantes na sua vida – para partilhar, para aprofundar, para se apropriar devagarinho do significado do mundo que vai conhecendo.
 
E nós, adultos pequenos, médios e grandes, já nos observámos a viver? A escolher?
 
Sentimo-nos bem quando escolhemos coisas boas, agradáveis, justas, que contribuem para o nosso bem e o dos que amamos. Sentimo-nos livres.
E sentimo-nos mal quando escolhemos coisas más, desagradáveis, injustas, prejudiciais. Sentimo-nos oprimidos. Sentimo-nos acorrentados, presos.
Só sabemos escolher, só somos livres quando sabemos – ou pelo menos intuímos – o que é bom, o que é justo, o que é agradável.
 
Para ensinar as crianças a escolher, penso que é urgente proporcionar-lhes experiências de bem, de belo, de verdadeiro, aquelas que passaram no crivo da nossa própria experiência, certos de que é a melhor herança que temos para lhes dar.
 

Catarina Almeida