Olhar lá para fora, por Catarina Almeida

Hoje, pela primeira vez em cinco anos, reparei que da janela do meu gabinete se vê uma árvore. Essa árvore está despida, não tem folhas e tem um desenho de ramos e troncos muito entrançado. 

Hoje, pela primeira vez em cinco anos, precisei de olhar lá para fora. Normalmente, estou aqui sentada, ao computador, a tratar das coisas que há para fazer. Gosto imenso de tratar das coisas. Depois, chegam os miúdos, pedem agrafadores e fita-cola. Às vezes, chegam pessoas para reunir ou só para conversar. E eu gosto imenso de conversar. Mas raramente olho lá para fora, porque não preciso. Só que hoje… precisava de ver alguma coisa nova.

Estou mesmo contente por ter reparado na árvore! Nestes dias de lufa-lufa de decisões para tomar, pessoas para acompanhar e cenários para preparar, tornou-se evidente o que é essencial: olhar lá para fora.

Parece poesia (da má, ainda por cima…) mas não é.

Normalmente, sou completamente dominada pelo controlo que eu tenho das coisas, dos dias que eu organizo, com as prioridades que eu defino. Mais, normalmente sou eu que decido o que é mais importante para mim e, muitas vezes, para as crianças ou para os âmbitos onde eu tenho alguma responsabilidade.

Desta vez, de pouco serve a ilusão que estamos “no comando” ou daqueles clichés abundantemente repetidos por gurus do tipo: “tu podes tudo se acreditares em ti” ou “10 segredos para ser feliz”, “querer é poder”, enfim… Não, não podes fazer tudo. Não, não basta acreditares em ti próprio nem querer é poder.

E o que é que isso tem a ver com a árvore que sempre esteve ali?

A primeira coisa é que tudo o que “está ali”, tudo o que acontece tem potencial para nos lembrar que não somos nós que as produzimos. Em última instância, nem somos nós que decidimos agora existir. Existimos e pronto. E existimos, estamos aqui, tal como a árvore, dependentes de um Mistério que faz todas as circunstâncias.

A segunda coisa é que esse Mistério as faz de forma misteriosa, ou seja, com um sentido, com um significado que dialoga connosco e pede para ser descoberto e abraçado. 

Aquela árvore hoje falou comigo pela primeira vez. E estes últimos dias geraram um diálogo incrível com o Mistério que faz todas coisas. Que me faz a mim e do qual dependo a cada segundo.

A boa notícia? É que esta conversa é mais entusiasmante do que as conversas do meu gabinete…

 

Catarina Almeida