Olhavam e apontavam, por Catarina Almeida Era uma vez um dia, às cinco da tarde, na semana antes do Natal. Toda a gente sabe que, numa escola, na semana antes do Natal, os níveis de equilíbrio e harmonia tendem a descer a pique. Ele é os ensaios da festa, ele é fatos de estrelas que encolheram ou desapareceram, ele é constipações e viroses que atingem o Presépio em pleno… Enfim. Neste cenário, cerca de cem crianças acompanhadas pelas famílias, pelas educadoras e pelos professores percorrem as ruas da cidade – a pé, de carro, de transportes… – até uma das igrejas mais bonitas do centro de Lisboa. Aí se juntam aos pés do Presépio para celebrar o nascimento do Menino Jesus. O cansaço dos adultos é visível, mesmo em quem disfarça por detrás de sorrisos sinceros e alegres. Já o das crianças, é visível e nem se disfarça atrás de birras e irrequietudes. Chegados ao destino, os pequeninos tomam os seus lugares nas primeiras filas e afinam as vozes: Gloooo oooo ooooria in Excelsis Deo! Eu observei tudo atentamente, com um aperto no coração, desejosa de que aquele gesto corresse bem, que fosse significativo. Que fosse educativo, ou seja, que nos introduzisse a todos – crianças e adultos – ao Mistério do Natal em toda a sua potência. Enquanto a professora de Música dirigia o coro com todas as crianças entre os 3 e os 10 anos, começo a vislumbrar as cabeças dos cantores a rodar para todos os lados, enquanto ensaiavam: Gloooo oooo ooooria in Excelsis Deo! Meninos, quietos! Meninos, direitos! Meninos, atenção! A lengalenga do costume que serve para o nosso sossego – afinal, se estiverem quietos, não há de ser caótico… E continuam. Às tantas, eram cinco e seis por banco, com os pescoços pendurados, a girar para cima, para o lado, para o outro lado. Já a ficar bastante impaciente, aproximei-me. Lá fui eu, assertivamente, pôr ordem naquilo. Achava eu. Perto pertinho dos meus alunos pequenos – e depois dos médios e dos grandes -, reparei que estavam a olhar para o tecto da igreja. E comentavam entre si: os anjos, Jesus, Nossa Senhora… Olha ali, olha ali. Olhavam e apontavam. Ouvia-se um Uau aqui, outro Uau ali. E cantavam: Gloooo oooo ooooria in Excelsis Deo! Quando me dei conta do que estava a acontecer, sentei-me quietinha num banco ao pé deles e pus-me a admirar. Eu, que ali estava há uma hora, nem por um minuto me tinha deixado tocar por tamanha beleza. Já as crianças, dóceis a deixar-se interpelar pela beleza, gritavam com gestos e com palavras o Mistério do Natal. Gloria, gloria, in excelsis Deo, e cá na Terra, a glória de Deus é o homem que vive assim. Que canta com a sua vida, na sua inquietação e na sua alegria, as Maravilhas que os pastores viram e anunciaram. Este ano aprendi que o Menino Jesus volta mesmo a nascer a cada Natal, porque vi a Sua presença reconhecida e amada pelo coração pequenino e ardente dos meus alunos. Teremos muito que aprofundar e melhorar nos nossos métodos e na didática, mas de uma coisa eu tenho a certeza. Se educarmos os nossos filhos assim, a sua vida estará certamente aberta à realidade, aos que mais precisam, aos que dizem a verdade, aos que fazem o bem, aos que lutam pela justiça. E assim, os nossos filhos procurarão sentido e significado no que lhes encher a medida do coração, ou seja, no que lhes trouxer a Beleza que procuram. Assim, termino o ano grata por ser testemunha e protagonista de uma história como esta, que dará os seus frutos em sementes de Vida sempre nova. Possamos nós educar estes corações assim, tal como Deus os criou. Catarina Almeida