Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo. “Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. Mas esses meninos a casa de quem ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente amigos: eram visitas. (…) E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha. Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro. Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta. — Ah! — disse ela. E pensou: «Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo.» “ in A Noite de Natal, Sophia de Mello Breyner Andresen Num documentário sobre Sophia, uma das suas netas dizia que a Joana d’A Noite de Natal era a própria Sophia. Trata-se da história da menina que encontra um amigo – o Manuel – e descobre que, quando a vida abraça a amizade e o amor verdadeiros, se torna mais humana e nos devolve à nossa condição verdadeira. A Joana só tinha visitas e só sabia estar sozinha. Quando brincava, queria fazer uma casa para o rei dos anões mas não era capaz (não tinha competências, diríamos nós, professores…) e, além disso, os primos e as visitas troçavam dela. Um dia, sem que nada o anunciasse, quando espreitou para fora do seu jardim, a Joana encontrou dois olhos que brilhavam como estrelas e um sorriso que lhe fez pular o coração na garganta. E afirmou com certeza: “Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo”. A Joana, que nunca tinha tido um amigo, reconheceu imediatamente o Manuel: era exactamente igual a um amigo! Como é isto possível? Sophia ajuda-nos a penetrar no mistério do nosso próprio coração, que está feito para amar e ser amado e que pula na garganta quando entrevê uma possibilidade de realização. Aqui começa a história da Joana e do Manuel que, depois de um primeiro encontro marcado por um silêncio “leve e aéreo” (o silêncio do coração que estremece diante da verdade de si mesmo), foram ver o jardim da Joana e depois começaram finalmente a construir a casa do rei dos anões… Encontrar, ver, construir. E deixar o coração a pular na garganta. Um bom desafio! Catarina Almeida