Pavel Florensky Compreender o mundo como um todo não significa pretender conhecer tudo, mas sim olhar para as coisas como dotadas de um sentido, que não é produzido por quem conhece, mas que permite a quem conhece acolher dentro de si a realidade, até a mais pequena: «não muitas coisas, mas grandes». Isto não quer dizer que as coisas pequenas não servem. Aliás, é exatamente nas coisas pequenas que se encontra o todo, mas para isso estas devem ser organizadas, devem ser orientadas, definidas e abraçadas pelo todo. Encontrei a vida e o pensamento de Pavel Florenskij numa exposição, há alguns anos, e fiquei curiosa. Apesar de não conhecer aprofundadamente a história cultural, política e social da sua época, percebi imediatamente uma correspondência entre o meu desejo de balbuciar algo sobre um certo tipo de relação com a realidade e a sua abordagem – genial, a bem dizer… Florenskij nasceu no Azerbaijão no final de um século XIX dominado pela ideia do progresso e do positivismo científico e cultural. Apesar de se referir à sua família como um contexto muito próximo da perfeição humana, rico em solidariedade e bondade, adverte a insuficiência até de um certo bem estar humano. Sem Deus não se pode viver, chegará a dizer. Fez os seus estudos universitários em Moscovo, em Matemática e Física, e manteve aquela abertura poliédrica que o caracterizara desde a infância. Eu achava uma ilha uma coisa misteriosa e cheia de significado. Viver numa ilha, ver as marés altas e baixas, apanhar conquilhas, estrelas do mar e algas: era o auge dos meus desejos. Vendo uma coisa, procurava o todo das coisas. Especializou-se também em música, literatura, filosofia, química… O seu pensamento simbólico alargava a razão; considerava que o Mistério vibrava a cada instante na flor, na conquilha, nas algas. E assim se tornou um dos maiores intelectuais russos, sendo muitas vezes comparado a Leonardo ou a Pascal. Os seus interesses e conhecimentos não nasciam de um intelectualismo asséptico, mas jorravam como uma torrente de encontro com a realidade sensível e material num simbolismo da eternidade. A sua busca incessante conduziu-o à Academia Teológica, casou com a mulher Anna e foi ordenado sacerdote ortodoxo em 1911. As suas intervenções e o seu pensamento levaram o regime a considerá-lo injustamente um contrarrevolucionário e uma ameaça. Foi condenado pela primeira vez em 1928 e depois em 1933, a trabalhos forçados por “agitação contra o sistema soviético”. Assim permanecerá até à morte, tendo passado por Baikal e pelas ilhas Solovki. As cartas que escreve no fim da sua vida falam desta urgência de captar todo o concreto, todo o sensível, todo o aspecto contingente particular que fala de um Mistério que habita o mundo. Perseguido pelo regime, dedica-se a um património epistolar impressionante, em que procura vivificar a relação com a mãe, a mulher e os filhos, dando-lhes conselhos e partilhando pensamentos que relatam uma vida alimentada pelo próprio Deus que Se lhe revela. Aos filhos, escreve amplamente sobre o estudo e a educação. O que devem estudar, como e porquê. Para que não percam nada. Para que se possam adentrar progressiva e apropriadamente na maravilha de um mundo que espelha a Beleza celestial. Que fiz eu toda a minha vida? Contemplei o mundo como um conjunto, como um quadro e uma realidade única, mas a cada instante dado, ou mais concretamente, em cada fase da minha vida, de um determinado ponto de vista. É esta contemplação que queremos aprender e que vamos discutir amanhã, dia 7 de novembro, na Brotéria, no âmbito do Seminário Pensar a Educação, a partir de uma das cartas à filha Olga. Como conservar em nós este olhar? Como oferecê-lo aos nossos filhos e alunos? Venha conversar connosco! Catarina Almeida