Pensar o presente – Pode ajudar-me? – Não, agora vais fazer sozinho. Tu consegues! Fui-me embora. O assunto é dele. Passam alguns minutos dominados pela batalha silenciosa que implica atar os sapatos. Com muito esforço… conseguiu! Vem a correr e o sorriso de vitória não engana… Aquele nó nos atacadores estava um primor. – Olhe! Olhe! Consegui! E neste pequeníssimo episódio, corriqueiro e vulgar, se podia encerrar um tratado de educação e pedagogia. Quanto mais leio artigos e crónicas, mais me convenço que continuamos com o olhar turvo, seduzidos pelas competências e autonomias; continuamos baralhados, a educar as crianças como se o objectivo da vida fosse ser capaz de fazer as coisas depois e sozinhos. Como se a satisfação da vida fosse desenvolver um conjunto de capacidades, que se vai alterando conforme o poder instalado, que nos fará vingar pelo nosso esforço e pelas nossas conquistas. Queremos que os miúdos cresçam capazes e competentes para poderem enfrentar o futuro. É falso e não me canso de o repetir. Só existe o presente. Só crescemos dentro de uma relação presente, só nos tornamos cada vez mais e melhores pessoas dentro da relação com alguém concreto, que nos estima e nos acompanha hoje; com alguém a quem vamos a correr dizer que conseguimos atar os sapatos. Os atacadores são secundários, são instrumentais. O que realmente conta é se existe uma ligação significativa a alguém a quem mostramos quem somos e o que estamos a fazer. Cada vez que uma criança faz uma descoberta sobre si, sobre os outros ou sobre o mundo, a primeira coisa que faz, o seu primeiro movimento é ir a correr contar à pessoa significativa que está mais perto. O que a define não é o que conseguiu, mas a relação que vive. Se pensarmos na nossa experiência, acontece da mesma maneira; quando encontramos alguém de quem gostamos, somos invadidos por um desejo de relação, de partilha, de ser e estar juntos. E, claro, mostramos os nossos atacadores bem apertados, com um nó imaculado. Viver o presente dentro de uma relação é a única aposta capaz de fortalecer crianças e adultos, é a única possibilidade de enfrentar um futuro incerto e misterioso. Experimentemos pensar: preferimos encontrar alguém que amamos agora ou preparar o que será eventualmente preciso para a encontrar depois? Preferimos o presente ou um amanhã desconhecido? Pensar a educação do século XXI é pensar o presente, é pensar o que nos faz crescer como pessoas hoje e, por isso, nos constituirá como sujeitos livres e criativos agora e sempre. Catarina Almeida