Perguntas certeiras, por Francisco Guimarães

ESTADO DE EMERGÊNCIA: DIA 3

Hoje está a ser um dia de perguntas. Tenho sido tomado e surpreendido por elas como aquelas ondas do mar que, mesmo quando mergulhamos e raspamos com o tronco na areia, não conseguimos evitar. São tão pesadas que me levam ao fundo, são desconfortáveis ao ponto de me fazerem ficar em apneia, com falta de ar, e são salgadas porque provocam em mim um desejo de as ir lavando através de um sentido que tento dar a cada uma delas.

Estou a escrever e salto da cadeira cinzenta onde me costumo sentar. Assustei-me com o grito estranhamente melódico da minha mãe e do meu irmão, que precisavam de ajuda por estarem a mudar um sofá de um lado para o outro. Hoje, em vez do som da bateria, ecoava por entre as paredes brancas o som da mudança – a mudança que arrebata porque é novidade e esperança. As estrelas mudam de lugar, as sextas-feiras calham em dias diferentes do ano, as marés vão mudando consoante as luas, as cadeiras da minha sala mudam para perto da janela e o meu olhar não pode ficar indiferente a essa transformação, na expectativa que ela seja uma forma de o orientar para as coisas que já sabia certas, para a sua essência, no fundo.

Fui à cozinha em busca de um paracetamol. Senti que estava a ficar zonzo, com dores de cabeça por causa do raio do vírus, mas, entretanto, lembrei-me das perguntas que me estavam a absorver, e que eram esses pensamentos mascarados de pontos de interrogação que pediam cuidado e seriedade.

Uma dessas perguntas apareceu subitamente quando estava a ouvir música, que é coisa que tenho aproveitado para fazer. A música abrange os mais elevados ideais de beleza e justiça, difíceis de encontrar noutro lugar senão na natureza. Talvez seja porque nas letras e nas melodias bem construídas as coisas estão harmonizadas, cada uma no seu devido lugar e, ao mesmo tempo, em sintonia umas com as outras.

A música que estava a ouvir chama-se “Fogo no Jardim”, do Tiago Bettencourt. E foi ela que, de espada em riste e com perguntas certeiras, me apontou para uma novidade numa sala repleta de esperança e alegria, espelhando em mim tudo aquilo que precisava naquele momento.

“Que homem vais ser
Quando a altura chegar?
Quanto vais ser
No mundo a mudar?

Que mulher vais ser?
E porque razão?
No jardim a arder
O mundo em vão.”

(Tiago Bettencourt)

Francisco Guimarães