Pêssegos confusos, por Catarina Almeida

 

Duas crianças pequenas estavam animadamente a discutir sobre… uma peça de fruta. Uma delas, vitoriosa, erguia o troféu e dizia ao amigo:

– Vês, é uma laranja!

O amigo desconfiava…

– Não é! É um pêssego! As laranjas são maiores e são “mesmo” cor-de-laranja…

Aquela laranja era diferente das habituais e o todo-poderoso proprietário insistia:

– Tenho a certeza, é uma laranja, cheira…

E assim prosseguiram o seu diálogo até que o defensor do pêssego encolheu os ombros e desatou a correr. Foi ter com a educadora e perguntou já exasperado:

– Ó Rita! Mas isto é um pêssego ou uma laranja?!

 

Mais simples do que isto, impossível. Por outro lado, mais urgente do que isto, também não me ocorre. Estou a falar de uma grave situação em que as crianças do nosso tempo se encontram e que tantas vezes negligenciamos ou menosprezamos.

Nas escolas de hoje é valorizado o processo de questionamento em si mesmo e dá-se lugar à construção de teorias próprias. Sob a aparência da promoção das competências definidas como cruciais para enfrentar o século XXI, embevecemo-nos a ver duas crianças a discutir se determinada coisa é laranja ou pêssego… Que capacidade argumentativa! Que observação das características! Que abertura a ouvir a opinião do outro! E está tudo muito bem mas a história não acaba aí…

Muitos afirmam que “não interessam os conteúdos”, o que interessa é “aprender a aprender”. É fundamental ter uma relação positiva com o conhecimento, bem como conhecer os instrumentos que o favorecem e as dinâmicas que o aprofundam. Só que esta história (real) revela-nos dois aspectos que muitas vezes ignoramos e que são, na verdade, essenciais para a revolução que a educação precisa…

O primeiro é que devemos perguntar-nos o que suscita realmente o desejo de aprender? Há um objecto que tem um significado (objectivo!) e existo eu, capaz de acolher um sentido que se revela. Diferentes objectos,  diferentes métodos de conhecimento, claro. Mas a dinâmica é sempre esta… O que tenho diante dos olhos? O que é? 

Mas a segunda coisa é a mais radical… Na busca incessante pelos sentidos e significados, incentivamos as crianças a construir teorias, a pôr hipóteses, a saber discutir e descobrir se é uma laranja ou um pêssego. E, na opinião de doutos educadores e dos fundadores da pedagogia moderna, apenas isso interessa: que saibam interrogar e teorizar porque o significado não conta. É relativo e não pode ser conhecido. Não existe.

Salva-nos a certeza que o acérrimo defensor do pêssego nos testemunha… A uma criança interessa saber realmente do que se trata e ter alguém que lho diga. Eis o drama dos nossos dias… Seremos nós mais uma geração incapaz de confiar aos nossos filhos o significado da vida e das questões decisivas da existência? Ou insistiremos em afirmar que, no fundo, não interessa se é laranja ou pêssego porque tu podes ser quem quiseres e as coisas não têm significado…?

 

Catarina Almeida