Por mais raquítico que seja, vive, por Catarina Almeida Quando começou este isolamento reparei que a árvore das traseiras de minha casa não tinha nem uma folha. Nadinha. Nicles. Num dos primeiros dias, reparei num botão a nascer e fui observando o seu crescimento, as cores que começaram a tomar conta da paisagem. No início desta quarentena também comprei umas hortenses espetaculares. Pu-las num lugar bonito da sala e todos os dias olho para elas. Dão-me bastante alegria e fazem-me companhia. Devagarinho entraram mais flores cá em casa: malmequeres, flores de coentros… Além disso, tinha desafiado os meus alunos a fazer um feijoeiro. Já toda a gente fez um feijoeiro e não tem nada de especial, sobretudo o meu que ficou raquítico, ao contrário dos exemplares dos miúdos que estão enormes. Pedimos-lhes que acompanhassem o pequeno feijão, com a ideia de fazer passar pelos seus olhos e mãos a experiência de alguma coisa que cresce silenciosamente, sem “tcharã” e sem se fazer notar. Um bocadinho de água todos os dias, a importância da luz… Tal como na nossa vida, são os gestos pequenos e fundamentais que fazem surgir caules, folhas, outros feijões… No entanto, ontem olhei para a árvore das traseiras, para as hortenses, para os malmequeres e os coentros e pus-me a pensar… Se eu tivesse estado estas semanas todas sempre a olhar para eles, sem desviar o olhar, será que conseguiria ver cada milímetro do fenómeno? Acho que não… mas há algo mais interessante do que isto… Também nós e as crianças estamos a passar pelos dias e pelas semanas, como as minhas flores e o meu feijoeiro. Por mais raquítico que seja, vive. Está vivo. Vive porque alguém colocou água e porque o sol nasceu todos os dias para ele e para nós. Nestes dias que já se transformaram em semanas, temos sempre a tentação de ficar a olhar para as flores à espera de ver cada segundo do crescimento. Mas não será mais enriquecedor podermos olhar para a água e para a luz e espantarmo-nos com as flores tão bonitas? Catarina Almeida