Que falta me fazes!

Já sabemos que naquele reino distante, tão distante que quase nem nos lembramos dele, havia fadas.
Se alguém precisa de dinheiro, as fadas transformam as bolotas em moedas; se alguém precisa de comida, as fadas transportam os melhores frutos, das árvores mais altas, até às casas dos habitantes; se alguém está triste, as fadas fazem a dança dos pós de perlimpimpim, tudo o que é turvo se desvanece e volta a brilhar.

Certo dia, tinha voltado o bom tempo e a Fada Miquelina, com o calor, apanhou uma alergia que causava bolhinhas na pele e a fazia resmungar muito.

– Ai que agora faço as coisas muito devagar! Voar é uma canseira, fico cheia de comichões e nunca chego a tempo! Que grande maçada!

Foi então que a Fada Agripina, que era irmã da Fada Miquelina, deu com ela nestes queixumes…

– Que tens, Lina? Estás para aí numa azáfama… Vem mas é voar comigo e eu ajudo-te! Puxo-te pela mão e assim as asas ficam mais soltas. Se formos juntas, é mais fácil!

– Nem pensar, Pina! Cada uma tem a sua tarefa e deve cumpri-la. Tu tens os teus voos, eu tenho os meus. Que raio de Fada seria eu se precisasse de ti!

A Fada Agripina ficou um bocadinho triste porque, na verdade, o que ela gostava mesmo era de voar com a sua irmã! Iam a casa dos anões levar cerejas e desapareciam, perdidas de riso, para que eles não as vissem; iam levar moedas ao casal de cegos que viviam na rua mais escondida…!

A Fada Miquelina também ficou triste porque, na verdade, só pensava nas suas bolhinhas de alergia, uma grande empecilho para cumprir a sua missão. Não pensou na Agripina, nem nos anões, nem nos cegos. Só em si, em como era uma Fada desgraçada, que já nem podia lançar pós de perlimpimpim, tais eram as comichões!

A Agripina pensou muito e teve uma ideia! Juntou os anões (que finalmente perceberam o mistério das cerejas!), os cegos, todos os que estavam tristes e até o príncipe do reino e expôs-lhes a situação:
– Queridos habitantes: a Fada Miquelina está muito desconsolada porque já não consegue fazer a sua missão. O que podemos fazer?

– Nós não precisamos assim tanto das cerejas! – disseram os anões – O que nos faz falta é que lá venham a casa, a achar que nós não vos vemos! Ah! Ah! Ah! Que falta nos fazem!

– Nós usamos as moedas para comprar pão e leite – disseram os cegos – mas podemos pedir ao padeiro e ao leiteiro que nos ofereçam umas sacas e umas bilhas. O que nos faz falta é a visita das Fadas! Que falta nos fazem!

O príncipe do reino começou a correr e deixou os outros um pouco atarantados. Agora que iam resolver o problema, ele ia-se embora?

– Fada Miquelina! Sou eu! Tenho uma coisa para te dizer… Que falta me fazes!

A Miquelina apareceu um pouco atarantada…

– Bem sei Alteza, já não sirvo para nada, não consigo ajudar ninguém neste reino por causa da maldita alergia!

– Que disparate! Já ordenei aos merceeiros que levassem cerejas aos anões, ao tesoureiro que desse três moedas por semana ao casal de cegos e até mandei fazer uns frasquinhos com pós de perlimpimpim para distribuir. És tu que nos fazes falta, não as coisas que tu fazes por nós!

Nesse dia, a Fada Miquelina chorou. E foram as suas lágrimas que curaram as bolhinas de alergia e, pela primeira vez em muitos anos, voou livremente, de mão dada com a Fada Agripina, a sorrir a todos os habitantes que acenavam sem parar…

 

Catarina Almeida