Sabes uma coisa? Gosto muito de ti! O Salvador estava a almoçar e ia olhando para mim. Eu ria-me e fazia-lhe sinais para se despachar… Quanto mais depressa acabasse, mais depressa iria brincar. Ele dava uma garfada e depois olhava para mim. Comecei a achar aquilo tudo um bocado esquisito… – Salvador, por que é que estás a olhar para mim assim? – Ah… é que… E nada. Até estava um bocado envergonhado e isso não é muito habitual neste cotomiço de cinco anos. – Ó homem, desembucha! – A Catarina hoje ainda não me disse que gosta de mim! – Ah! Era isso! Então quando acabares de almoçar já te digo… Por uma brincadeira cuja origem já não recordo, comecei no princípio do ano a dizer todos os dias ao Salvador que gosto muito dele. É que gosto mesmo! Os olhos dele têm sempre um brilho que puxa por mim… Ele tem razão, é raro chegar à hora de almoço sem lhe ter dito isto. Nesse dia, os assuntos tinham-se encavalitado e entre reuniões, e-mails e voltinhas para aqui e para ali, até já me tinha cruzado com ele mas ainda não tinha dito as palavras mágicas. Achei graça ao nervoso miudinho dele, como quem tem vergonha de querer muito uma coisa. Que lhe dissesse que gosto muito dele. O Salvador não tinha um pingo de dúvida sobre eu gostar dele… Só queria que lho dissesse. Engraçado, como um miúdo tão pequeno percebeu uma coisa tão importante: que a maravilha da vida está sobretudo no misterioso reacontecer das coisas que já temos como certas e que, quando acontece de novo, todos os dias, mesmo quando eu já estou à espera, quando acontece mais um dia, enche o coração como se fosse a primeira vez… O Salvador acabou de almoçar num instante, mesmo depois de ter estado ali suspenso no seu desejo, a pastelar e a engonhar. Levantou-se, veio a correr ter comigo e lá lhe disse: “sabes uma coisa? Gosto muito de ti!”. Ele sorriu como sorri todos os dias e foi à sua vida, brincar com os seus amigos. Dizia São Tomás que «a vida do homem consiste no afecto que principalmente o sustenta e no qual encontra a sua maior satisfação». Parece complexo mas para o Salvador foi muito simples… Catarina Almeida