Se já tinha uma varinha, para que precisava das pedrinhas? Oriana, antes de entrar, apanhou do chão três pedrinhas brancas. (…) Depois abriu a gaveta da roupa. A roupa, que era pouca e pobre, estava toda limpa e cosida. Mas havia uma blusa tão velha e com tantos buracos que, mesmo depois de cosida, estava rota. Oriana pôs uma pedrinha branca dentro da gaveta, tocou-lhe com a sua varinha de condão e a pedrinha transformou-se numa blusa nova. A seguir, Oriana abriu a caixa do dinheiro e viu que estava vazia. Pôs lá dentro uma pedrinha branca e transformou-a numa moeda nova muito redonda. E debaixo da mesa estava a bola do filho do lenhador. Oriana pegou-lhe e viu que estava toda estragada. Então pôs debaixo da mesa a última pedrinha branca e transformou-a numa bola nova. E quase todos os dias Oriana ia a casa do lenhador. Levava sempre três pedrinhas brancas e transformava-as nas coisas que faziam mais falta. in A Fada Oriana, Sophia Mello Breyner Andresen A Oriana apanhou três pedrinhas brancas e levou-as para as transformar nas coisas que faziam mais falta: uma blusa nova, uma moeda nova, uma bola nova… Se Oriana é uma fada – e uma fada boa! – seria suficiente puxar da varinha de condão para transformar a realidade… Se já tinha uma varinha, para que precisava das pedrinhas? A velha tinha a certeza que as fadas a ajudavam porque via os sinais da sua presença: o café, o leite, o açúcar… Assim também a mulher do lenhador se espantava sem ver – “Quem será esta pessoa tão boa que vem a nossa casa quando eu vou sair e que me traz as coisas de que eu preciso?”. Para reparar numa presença invisível, faz falta o visível. As pedrinhas da Oriana lembram-nos que tudo grita o insondável mistério de que falava Einstein e que habita todas as coisas. A Sophia do nome das coisas desafia-nos a procurar uma relação verdadeira com o que nos rodeia, com as pessoas que amamos, com o nosso trabalho, com as pedrinhas… tudo é, afinal, ocasião de descobrir o condão da varinha que entra dentro da realidade e que precisa da vida concreta para a poder transformar…! Catarina Almeida