Se te portares bem…, por Catarina Almeida

Eis o início da frase abundantemente repetida nas nossas casas e escolas. E nas praias, nos supermercados e nos consultórios. Aliás, a par da pergunta “portaste-te bem?”, deve ser o tema mais dialogado na relação com as crianças. Este meu diagnóstico será exagerado, mas o tema permanece vivo e aberto como critério e preocupação educativa.

Que sinal damos às crianças quando esta é a primeira pergunta e resposta que temos para lhes oferecer? Estamos realmente convencidos de que crescer é passar a portarmo-nos bem? A fazer tudo direitinho?

Será que o maior desejo que temos a arder nos nossos corações de pais e educadores é que os miúdos… se portem bem?

Creio que não. Então por que motivo continuamos a insistir na famosa perguntinha de fim de dia: então, portaste-te bem? Se sim, eu fico contente; se não, ai ai ai, que a mamã fica triste…

Se há coisa que podemos aprender com o Gepeto e o Pinóquio é que vale a pena apostar no desejo de bem. Muito antes da capacidade de bem. Certo, temos alguma resistência a acreditar que isso por si só é suficiente, que é preciso um bocadinho de mais qualquer pó de perlimpimpim para os miúdos não se tornarem nuns mimados tiranos. Que têm de aprender regras. Que têm de isto e aquilo.

O que mudou o Pinóquio? O medo do nariz a crescer..? Que ideia!

A origem da mudança – e que mudança, cinco meses a trabalhar com a nora para encher cem baldes e trazer apenas um copo de leite para casa!… -, o ponto que faz nascer o “bom comportamento” é o encontro com um pai que não recrimina, nem seduz, nem manipula com discursos de confusão sentimental sobre aquilo que ele devia ser. 

Gepeto ama o que o Pinóquio é e não o que ele devia ser. E por amar o que ele é hoje e agora, tem uma estima profunda até pelos seus disparates, comove-se com o seu filho, tão desastrado e irreverente. Ralha, zanga-se, investe em tentativas de ordem e de caminhos de bem. Mas fá-lo sempre comovido. Co-moção, movido por algo maior: a certeza de que o destino do Pinóquio não é portar-se bem, mas tornar-se num menino de verdade, feito à imagem e semelhança dele próprio.

E é esta comoção que gera filhos livres e criativos, capazes de enfrentar a vida. Tudo o resto poderá deixar apenas as cinzas de marionetas com os movimentos impecavelmente sincronizados. Marionetas, sem coração.


Catarina Almeida