Se há uma ordem… – Meninos, quem é hoje? – É o J.. Veio o J. fez a sua tarefa e voltou para o seu lugar calmamente. De repente, qual tempestade, o R. levanta-se e vem ter comigo a correr: – Não pode ser! Hoje era o F. – Pronto, querido. Paciência. O que interessava era que ficasse feito, já está. – Não, não! – e fica zangado como nunca o vi. Indignado, ofendido, vilipendiado. – Era o F., não era a vez dele! Cruza os braços em sinal de protesto e olha para mim como quem exige a reparação dos danos causados! – Ó R., se calhar até era o F., mas não tem mal. O que interessa é que está feito e, olha, já viste que nem o J., nem o F. estão zangados. Por que é que estás zangado comigo? – Porque há uma ordem! – Sim, eu sei mas… R., para que serve a ordem? – Para ser cumprida! Se há uma ordem, é para ser cumprida! Não era a vez dele, não lhe foi “roubada” a vez a ele, e o miúdo indignou-se como gente grande para defender… a ordem! Este episódio lembrou-me que facilmente caímos na lógica disciplinadora e regrada, para nos defender de viver. Quantas vezes, quando percebemos que alguma coisa precisa de ordem, criamos regras, afirmamos sentenças e passa a ser sempre assim, sem possibilidade de revogação. Assim, vivemos iludidos à procura de “sistemas tão perfeitos que ninguém precise de ser bom”… A resposta passa a ser a ordem, e não a beleza e bem que a ordem favorece. E educamos as nossas crianças assim, a afirmar regras, a afirmar uma ordem sem a submeter ao crivo da inteligência e da experiência, que rapidamente redimensionariam as nossas tendências de domadores de leões, que repetem gestos e sons para conseguir determinadas performances… Acabamos por não esperar nada, orgulhosos da nossa ordem; acabamos por desejar que a ordem seja cumprida, e que nada a incomode, e devagarinho fechamo-nos às novidades, aos imprevistos, ou seja… ao acontecer da própria vida. Meu querido R., que tem um coração exigente! Só este coração das crianças – e o nosso, se vibrar como o delas – poderá continuar a exigir que a ordem nos mostre com mais clareza o destino das coisas, a beleza das coisas, a verdade das coisas. Se há uma ordem, querido R., não é para ser cumprida. É para fazer ver mais e melhor. E isso, às vezes, precisa de desordem… Catarina Almeida