Surpresa das surpresas!

– Como falhei sempre, pensei que tinha chegado o momento de recorrer à ciência para ser feliz.

Há umas semanas cruzei-me na tv com esta cena aterradora. Num programa que nunca tinha visto, homens e mulheres bonitos e simpáticos arriscavam viver uma “experiência” que consiste em colocar os seus destinos amorosos nas mãos da ciência.
É simples: testes de personalidade, análises de comportamento, especialistas em neurocoisas e psicocoisas, acompanhamento semanal e tudo correrá pelo melhor.
Confesso que o primeiro impacto com aquele programa foi de absurdo, ri-me e não liguei. Mas fiquei a pensar… O que está por detrás de tudo isto? Além das lógicas publicitárias e de uma certa mentalidade dominante, no fundo, reparei que o desejo dos concorrentes me intrigava: todos queriam encontrar “a alma gémea”, o “amor”. E alguém é capaz de os criticar só por isso?
Decidi acompanhar o programa e tentar perceber qual era a esperança verdadeira dos concorrentes, o que iria acontecer realmente na vida daquelas pessoas – com o pouco de “realmente” que se pode esperar destes formatos televisivos…
À medida que os episódios avançavam, dei-me conta da tristeza profunda que me invadia ao ver o que ali se passava. O que é que estavas à espera?, dirão os senhores. Eu sei, eu sei.
Na verdade, ficou-me a soar repetidamente a ideia “como falhei sempre, recorro à ciência”. Como se a pessoa que és não servisse, como se a nossa personalidade precisasse de cirurgias, como se os nossos comportamentos ditassem sentenças de morte. Como se, no fundo, tal como somos e no ponto onde estamos, estivéssemos enguiçados e precisássemos de ser “corrigidos” pela ciência.
A questão, como se pode imaginar, não é o programa de tv. Para mim, a questão é quantas vezes (ao dia!) me defino assim, olho para mim e para os outros assim, procurando eliminar os traços de humanidade, o ser pessoa, sonhando silenciosamente com uma equação perfeita e infalível. Nas relações de amizade, no trabalho, nas alegrias e nas tristezas, todos os dias da nossa vida…
Entre o algoritmo e a vida real, o que escolhemos? A vida, cheia de riscos, de incompreensões, de fragilidades, tantas vezes dolorosas, que parecem tantas vezes insuportáveis. Como se pode viver assim? Quando tudo parece ter falhado, onde pomos a nossa esperança?
Ao fazer-se homem, Deus inclinou-se sobre as nossas falhas e não nos ofereceu um algoritmo, nem uma receita. Aliás, ofereceu-nos a Sua companhia, ou seja, quis fazer parte desta fragilidade. Tomou-nos com Ele e ficou connosco. Um Deus connosco, que nos abraça tal e qual somos.

E – surpresa das surpresas! – o Seu abraço começa a mudar-nos, na personalidade, no temperamento, no comportamento.

E – surpresa das surpresas! – o Seu abraço plasma-nos cada vez mais.

A surpresa das surpresas, para mim, é ver o meu coração mudar assim: não por uma receita, não por uma equação, mas por um Amor infinito que dá Vida.

Bom ano a todos.

Catarina Almeida