Tenho uma pergunta para te fazer, por Catarina Almeida

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Bela levantou os olhos para ele. Embora o Monstro fosse exactamente como o seu pai tinha descrito, percebeu que ele já não estava zangado.
O Monstro disse: 
— Tenho uma pergunta para te fazer, Bela. É a única coisa que te perguntarei: poderás amar-me?
— Pobre Monstro! — disse Bela, pois já estava com pena dele. — Como poderei algum dia amar alguém como tu?
Ao ouvi-la, o Monstro deu um enorme suspiro e afastou-se tristemente.

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A Bela e o Monstro é uma história de amor, claro. Mas é sobretudo uma história de amor às circunstâncias e às pessoas, qualquer que seja a sua aparência. Pode parecer que tem (apenas) uma bonita moral mas não é disso que se trata, creio eu.

Parece evidente que a Bela não pode amar alguém como o Monstro: ele é feio, rude e faz tremer todo o palácio só com os seus passos. Ele é o Monstro! A Bela pode suportá-lo, servi-lo, acompanhá-lo, até estimá-lo. Mas amar?! Amar com todo o coração, entregar a própria vida decididamente para afirmar… o Monstro!? Isso parece demasiado. Só que não é, como descobriremos.

Nos tempos em que vivemos, a primeira grande dificuldade que vejo em mim e à minha volta, está em afirmar os outros como são, aceitar profundamente as circunstâncias tal e qual se nos apresentam. Não se trata de um derrotismo nem de resignação, mas antes de uma doçura à vida, às pessoas que nos são emprestadas para viver, às circunstâncias que nos são oferecidas para vibrarmos e construirmos o nosso pequeno bocadinho de mundo.

Não é de tolerância que estou a falar, nem de aceitarmos as escolhas que as pessoas fazem, de forma indiferente e desligada, em que “cada um faz o que quer”. Refiro-me a um momento prévio, em que nos damos conta do que são realmente, antes do nosso juízo, antes do nosso sentimento: quem sou eu, quem é o outro, que mistério está por detrás desta alegria ou desta dificuldade que hoje estou a viver? Muitas vezes, queremos produzir nós o significado do que encontramos, mas ele insiste em revelar-se porque existe!

A questão aperta quando compreendemos a diferença entre ter um projecto sobre o que os outros são, o que as circunstâncias e as nossas crianças “devem ser” e a vertiginosa aventura de descobrir como eles são realmente, como é a sua natureza; o maravilhoso desafio de educar estar presente – vivos e presentes! – a deixar que desabrochem e sejam cada vez mais eles próprios – e não a concretização da nossa ideia. É uma espécie de “fazer cerimónia” e pedir que a realidade se mostre, com Vossa licença…

A grandeza da história de amor da Bela está aqui. Como primeira resposta, a Bela não hesita em dizer que não poderá jamais amar alguém como ele. Não é possível amar o monstro, os monstros, que nos causam repulsa e têm uma aparência desagradável aos olhos e ao coração. A verdade é que a Bela fica no palácio, consciente de estar a dar a vida pelo seu Pai, e que a obediência a esse amor reconhecido e decidido, a conduzirá rapidamente à descoberta do seu verdadeiro Amor. O Monstro, o seu Monstro.

Como será isso possível?

Catarina Almeida