Um brilho no olhar, por Rosário Silva

ACOLHIMENTO E PRESENÇA

NESTA FASE DE PANDEMIA

 

Todos queremos viver uma vida sem contrariedades, sem sobressaltos, mas a própria vida nos prega algumas rasteiras e nos faz avançar ou recuar, porque a vida é uma constante aprendizagem, uma luta diária tentando seguir um caminho sem obstáculos, sem contrariedades, sem espinhos, mas a própria lança desafios e de repente surge uma (longa) fase, onde diariamente reaprendemos a viver e a relacionar com o outro, deixa-nos um pouco ou,  totalmente desconcertados. De repente descobrimos o quanto somos frágeis, o quanto as nossas certezas e garantias da vida, podem abalar e deixarem-nos sem chão.

Entrámos numa fase de Pandemia, temos um vírus perigoso à solta por todo o mundo, e agora, o que fazer? Dizem que as escolas vão ter de fechar, tudo vai parar… E parou… E nós? Nós? Nós de repente ficámos sós, com um quotidiano completamente alterado. Deixámos de ouvir sorrisos, choros, correrias, feridas para tratar, abraços por dar, carinhos por receber, enfim, o Mundo Parou!

E agora? O que vamos fazer?

Passámos a ouvir constantemente: tempo para novas oportunidades… Reinventar… Refletir… Confesso que gosto mais das duas últimas, tal como o nosso Secretário de Estado da Educação, Dr. João Costa, o disse no programa Prós e Contras: “Não gosto de pensar nesta fase como uma fase de oportunidades, uma vez que muitas famílias perderam entes queridos, empregos, prefiro pensar que é uma altura para refletir e reinventar”.

Então vamo-nos reinventar, ser positivos, refletir e retirar aprendizagens desta fase, porque também não gosto de dizer “nova realidade”, quero acreditar que é uma fase e não se torne permanentemente, o nosso modo de vida.

Não vamos quebrar laços, não vamos deixar as famílias desprotegidas, vamos tentar manter algumas rotinas, manter o contacto, Videoconferências? Vamos a isso.

Uma vez por semana, retomámos o contacto com as crianças e famílias. Ao fim de duas semanas, ainda não era o melhor, ficava um vazio… Porque não diariamente? Porque não? Arregaçar novamente as mangas e diariamente o contacto manteve-se. O contacto visual, mas faltava qualquer coisa, pois faltava o toque, o carinho físico…

18 de maio de 2020, 1 de junho de 2020, O REGRESSO, primeiro a Creche, depois o Pré-Escolar… Boaaaaa, finalmente! Mas… Mas… Mas…. Surgiram muitos, mas…

Regressámos com muitas dúvidas, receios, inquietações: nós com máscaras, não haver proximidade, não tocar, nada de beijos, nada de abraços, o mesmo brinquedo, a mesma cadeira, o mesmo quadrado, não partilhar, não aproximar… O nosso chão a sair outra vez debaixo dos nossos pés…

Nada disso… Surpresa das surpresas! Tranquilidade…

As nossas crianças estão informadas, são bastante compreensíveis, preocupa-me enquanto adulta e conhecedora de que os afetos, os gestos de carinho são fundamentais para o desenvolvimento integral da criança, procura-se que no dia a dia não haja toque, proximidade, gestos de carinho, partilha de afetos. É urgente a criatividade, há que procurar novos caminhos, descobrir estratégias, novos gestos de carinho, de afetividade

Então o que descobrir? O olhar!

A obrigatoriedade do uso de máscara, veio transformar a nossa forma de comunicar com os outros, deixámos de ter expressão, deixámos de ver o sorriso nos adultos a acompanhar o bom dia, logo à chegada, pela manhã. Deixámos de retribuir, com o nosso, o sorriso das crianças.

A vida ganhou a cor da máscara e aparentemente, deixámos de sorrir, mas é preciso usar a máscara, porque temos de nos proteger e proteger os outros, nós temos de estar bem, para os outros estarem bem e para estarmos nas escolas, porque a vida tem que continuar.

A comunicação foi interrompida, deixámos de ter a proximidade habitual e necessária com as famílias, no entanto, neste tumulto de emoções, cuidados, medos, desconhecimento do amanhã, foi então que descobri que o olhar, muitas vezes substituem palavras, transmitem muitas emoções.

A pergunta surge: “As crianças usam máscara?”, claro que não. Esta atenção maior ao olhar começou entre adultos, com as famílias das crianças, comecei a estar mais atenta ao olhar. Quantas emoções menos boas me apercebi no quotidiano dos que nos rodeiam diariamente, porque estamos tão habituados à palavra, vivemos numa velocidade diária tal que desvalorizamos a capacidade de comunicação através dos olhares.

Dei por mim a valorizar a riqueza de emoções transmitida pelo olhar. Passei então a dar mais importância ao olhar das crianças, porque nem sempre conseguem transmitir as suas emoções através da palavra, ou porque, naturalmente, o seu desenvolvimento não o permite ou porque procuram transmitir emoções que agradam os adultos de referência e os pares. 

Ter tempo para dar mais atenção ao olhar, tem sido um (dos poucos) pontos positivos desta fase de pandemia, porque na vida temos que procurar aprender com as adversidades que a mesma nos proporciona, porque a vida só faz sentido se procurarmos caminhos que a tornam mais atraente, porque a vida só faz sentido com um brilho no olhar.

Rosário Silva, Educadora