Um caminho seguro para a Paz, por Rui Corrêa d’Oliveira A Paz é certamente o mais consensual e transversal dos objectivos da humanidade, desde as suas origens. Em todas as épocas, em todos os continentes e em todas as culturas, a Paz foi e é desejada, proposta e reclamada. No fim dos grandes conflitos que opuseram povos e nações, a Paz foi celebrada e as promessas de a guardar deram origem a um sem fim de juras e promessas, de pactos e tratados de paz. Mas a História é eloquente em demonstrar como depressa se esquece o elevado preço de a não ter. Em tempo de paz pensa-se pouco na paz, porque a reduzimos à mera ausência de conflito e investe-se pouco em criar as condições para que ela perdure e se consolide. O mundo vai rodando entre ciclos de guerras e esforços de para lhes pôr fim. Cuidar da paz é cuidar do homem todo e de todos os homens. Nenhum anseio do homem pode ser descurado, como nenhum homem nem nenhum povo pode ser ignorado. Foi esta visão do mundo e do homem que fizeram germinar no coração do Papa Paulo VI a proposta de dedicar o primeiro dia do ano ao tema da Paz. Terminava o ano de 1967, o clima de tensão da “guerra fria” permanecia e os conflitos alastravam de modo particular em África e no Médio Oriente. A humanidade continuava a sofrer e a sangrar, sem que a comunidade internacional encontrasse soluções. A Organização das Nações Unidas era mais um palco de disputas que um lugar de construção de paz e desenvolvimento. Apesar do cepticismo de muitos quanto à eficácia da iniciativa de Paulo VI, ele e todos os seus sucessores mantiveram-se firmes em manter vivo este grito urbi et orbi no primeiro dia do ano, com mensagens fortes na urgência e ricas no abrir de caminhos que atalhem as causas profundas que minam a paz. É nesta linha contínua que o Papa Francisco, na Mensagem deste ano para o 55º Dia Mundial da Paz, propõe como “Instrumentos para Construir uma Paz Duradoura”, “o diálogo entre gerações, a educação e o trabalho”. São três os caminhos para a construção duma paz duradoura: “o diálogo entre as gerações, como base para a realização de projectos compartilhados; a educação, como factor de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento; e, por fim, o trabalho, para uma plena realização da dignidade humana.” O diálogo entre as gerações, como base para a realização de projectos compartilhados A pandemia agravou alguns dos mais complexos desafios sociais, entre os quais a solidão dos mais velhos e o sentido de impotência com a falta duma noção atractiva de futuro, entre os mais novos. Problemas distintos que parecem pertencer a mundos diversos, mas que coincidem numa mesma comunidade. Para os superar o Papa Francisco começa por nos propor a prática de um diálogo intergeracional, para “bem enraizados no presente, visitar o passado e o futuro”. “Visitar o passado, para aprender da história e curar as feridas que às vezes nos condicionam; visitar o futuro, para alimentar o entusiasmo, fazer germinar os sonhos, suscitar profecias, fazer florescer as esperanças”, para que, assim unidos, podermos aprender uns com os outros”. “Sem as raízes, como poderiam as árvores crescer e dar fruto?» Mas para alimentar este diálogo, urge investir numa educação que forneça a gramática para esse diálogo entre as gerações. A educação, como factor de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento A educação é o alicerce duma sociedade coesa, capaz de gerar esperança, riqueza e progresso. Investir na educação é construir um desenvolvimento humano integral que torne a pessoa mais livre e responsável, condição indispensável para a defesa e promoção da paz. É pois necessário e urgente “forjar um novo paradigma cultural, através de «um pacto educativo global para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras», com um particular empenho na promoção da cultura do cuidado” que combata a fragmentação da sociedade e a inércia das instituições, a fim de que esta cultura do cuidado se torne na linguagem comum que abate as barreiras e constrói pontes. A educação parece perder terreno nas prioridades dos governantes que, em muitos países se vê relegada para um patamar secundário, apesar dos discursos politicamente correctos afirmarem o contrário. Com efeito, assiste-se a uma diminuição sensível, a nível mundial, do orçamento para a instrução e a educação, vistas mais como despesas do que como investimentos. Se não se inverter esta tendência, cometer-se-á um pecado de lesa-humanidade, que comprometerá o futuro, com um elevado preço de agravamento das desigualdades, causa certa de ameaça à paz. Este diálogo, assim articulado, reclama por fim lugares justos no mundo do trabalho. O trabalho, para uma plena realização da dignidade humana O trabalho enquanto expressão da pessoa e dos seus dotes, é também compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para alguém torna-se um factor indispensável para construir e preservar a paz. Nesta perspectiva acentuadamente social, o trabalho é o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo. Esta necessidade de um emprego, ganha ainda maior relevo neste tempo de pandemia com o agravamento da situação do mundo do trabalho, nomeadamente com a falência de muitas empresas, a precariedade do emprego. O mundo laboral enfrenta hoje perspectivas dramáticas, com os jovens que perdem oportunidades e um número preocupante de adultos que se vêm precipitados no desemprego. A este propósito, o Papa não podia esquecer a situação dos imigrantes que se vêem numa situação de ainda maior precariedade, ficando expostos a várias formas de escravidão, concluindo que a resposta a esta situação passa necessariamente pelo crescimento económico que alargue as oportunidades de trabalho digno, já que ele é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, de desenvolvimento humano e de realização pessoal. Para que este desiderato seja possível é necessário garantir e apoiar a liberdade das iniciativas empresariais e, ao mesmo tempo, fazer crescer uma renovada responsabilidade social para que o legítimo critério do lucro não seja o único. Precisamos de empresas que sejam lugares onde se cultiva a dignidade humana, conscientes da sua função social. Por fim, o Papa pede à política que promova um justo equilíbrio entre a liberdade económica e a justiça social. E que todos aqueles que intervêm neste campo, a começar pelos trabalhadores e empresários católicos, tenham em conta a doutrina social da Igreja, onde podem encontrar orientações seguras para uma convivência digna. Mais diálogo entre gerações que anule crispações e potencie a coesão; mais educação que alargue as oportunidades de todos; e mais emprego que possibilite uma sociedade mais justa, eis as propostas para um caminho seguro para a Paz. Rui Corrêa d’Oliveira Lisboa 9 de Janeiro de 2022