Um tempo adiado?, por Rui Corrêa d’Oliveira As restrições impostas ao quotidiano da minha vida por esta pandemia, geram em mim o estranho sentimento de ter a vida adiada, como se a minha vida estivesse suspensa. Desde as mais normais rotinas aos projectos pensados e acalentados dentro de mim. O “não posso fazer” virou refrão, o “não posso ir” tornou-se imposição, o “quero mas não devo” aperta-me a consciência. E inevitavelmente crescem em mim a irritação e o enervamento que perturbam a existência. Não estava previsto viver assim, numa vida coarctada e num viver provisório sem duração conhecido que me estreita o horizonte e afunila a vida. As regras de civilidade que se impõem como obrigação de consciência, são desumanas. Nunca como agora tive tanta consciência de que somos mesmo seres em relação, feitos para estar com outros, partilhando alegrias e tristezas, desejos e prazeres, emoções e comoções. A máscara rouba-nos a expressão, a nossa e a dos outros, a distância física introduz a estranheza e desconfiança, no fundo, a “etiqueta social” cava um fosso entre nós e os outros que adquirem o estatuto de inimigos potenciais. A vida vai perdendo a alegria gregária para que fomos feitos, alimentando um egoísmo individual que nos faz mais pequenos. Fim do desabafo! Chegado aqui, nasce dentro de mim uma torrente de perguntas: que sentido faz tudo isto? Pode-se viver assim? Como é possível que um ente sem inteligência nem vontade própria, vergue a minha humanidade? Que saída tenho eu? Chegado aqui, tento acalmar os meus impulsos e serenar os meus juízos que me toldam a inteligência e o discernimento, para olhar com realismo e objectividade a realidade objectiva. E penso. Penso que o que me acontece hoje não consegue anular tudo o que fui e me aconteceu, porque apesar do agora, continuo a ser o que sempre fui. Isto, o vírus não me pode roubar. Porque continuo a pensar, a desejar, a ter vontade própria, a raciocinar… a amar! Penso que a minha humanidade foi criada para o bem, a verdade e a justiça e a beleza. E nada disto o vírus pode roubar! Penso, com maior clarividência do que antes pensava, que eu sou muito mais do que a minha circunstância. Que mais do que a carne, sou espírito e alma, ideia e palavra, gesto e obra. Penso… que Deus me deu uma vida para viver, apesar dos limites da minha circunstância e nos limites desta minha indesejável circunstância. Penso… que não há nenhum limite para continuar a amar e ser amado. Penso… que nada me pode roubar a alegria gratificante de ser quem fui, o que sou e o que hei-de ser. Penso… que a vida se transforma, mas não acaba, e assim continuo a ser. Penso… que a vida vale todas as penas! Laus Deo Rui Corrêa d’Oliveira15 de Novembro de 2020