Uma companhia real, por Catarina Almeida Nos últimos dias, recebemos notícia de um estudo da OMS sobre saúde e bem-estar dos jovens. Os especialistas revelam uma preocupação compreensível com a saúde mental, tendo destacado as situações de “infelicidade“, “tristeza“, “medo” e outros estados emocionais que indiciam um crescente mal-estar entre os adolescentes. Fala-se mesmo de “menor índice geral de bem-estar, pior perceção de qualidade de vida, menor satisfação com a vida”. O que nos dizem estes dados? Como nos interpelam? Deixando os aspetos patológicos aos médicos e aos psicólogos, que podem e devem intervir nas suas áreas específicas, os educadores têm a responsabilidade de se interrogar sobre a vida das crianças e dos jovens e sobre a sua inquietação existencial que ultrapassa as situações de fragilidade de saúde mental. A angústia, a tristeza, o sentimento de impotência perante o desejo de uma vida plena são experiências humanas fundamentais. São ocasiões de descoberta de si, de uma dimensão de si que grita uma incompletude, um ímpeto de humanidade que recusa aceitar menos que o infinito. A inquietação é o primeiro sinal de um coração feito para muito mais do que se pode medir, construir, produzir… Para muito mais do que se pode, muitas vezes, imaginar! Poetas, pintores, músicos, ao longo dos tempos, testemunharam este grito de quem busca um sentido para a vida. Giacomo Leopardi é um dos que, eloquente e dramaticamente, afirma toda a condição humana no seu Canto noturno de um pastor errante da Ásia: “E quando as estrelas vejo arder no céu, digo entre mim, pensando: para quê tantas luzes? O que faz o espaço infinito e o profundo Céu sereno? Que significa esta solidão imensa? E eu que sou?” As perguntas dos jovens ainda não se calaram, embora talvez as nossas já tenham sido silenciadas pelo cinismo e pela voracidade da vida “adulta”, e é essa a ocasião preciosa de um encontro real com os nossos filhos e alunos. Que companhia fazemos, como adultos, às questões últimas e absolutamente decisivas de que a tal tristeza e a tal angústia são sinal? O que é esta solidão? Que sentido tem? Existe alguma coisa que responda a este vazio, a este nada que me assola diante do espelho, diante do meu rosto que se vai revelando na imensidão dos dias iguais e – aparentemente – sem a novidade que o meu coração parece desejar? As perguntas dos jovens lembram-nos as nossas perguntas, por muito soterradas que estejam em respostas arrumadinhas e sem esperança; é tempo de arregaçar as mangas e decidir apressadamente como podemos fazer uma companhia real à vida das crianças e dos adolescentes. Como escola, o que já encontrámos e podemos oferecer? Como família, o que já encontrámos e podemos oferecer? Como adultos, que lugares são companhia real, em que a tristeza e a inquietação que fazem parte da condição humana possam ser vividas na sua grandeza, como sinal do desejo de plenitude que nos constitui? E – sobretudo – que plenitude invadiu a nossa vida, ao ponto de podermos dizer aos nossos filhos que sim, que a resposta ao que o coração deseja existe; ao ponto de podermos testemunhar com as nossas vidas que a realização total de tudo o que somos existe… e habita entre nós? Já vigiando, com olhos postos no Presépio, é para lá que o meu coração adulto se dirige. Para aquele Menino que nasceu com essa mesma pretensão: o próprio Deus veio habitar entre nós para agarrar a tristeza, a solidão, a desorientação, e dizer-te a ti e a mim, sou Eu o que te falta; só Eu posso encher a tua inteligência, a tua necessidade, o teu desejo. É no encontro com este Menino que reencontramos o nosso rosto e, tal como os pastores de Belém, podemos dizer aos jovens que a tristeza e a inquietação já não vencem, mas são a sede necessária para encontrar o que se deseja. O Bem fez-Se carne, a Beleza fez-Se carne e veio habitar entre nós, nas nossas escolas e nas nossas casas, nas nossas vidas. Eis a nossa esperança. Bom Natal. Catarina Almeida