Uma invasão do écran, por Catarina Almeida

No outro dia apareci de surpresa na sala de aula virtual para lhes falar.

– Olhe, olhe professora! Caíram-me dois dentes! Quer dizer, não caíram, mas os debaixo já estavam a nascer e… e… e…

Fiquei meia baralhada porque não percebi bem o que se passava. Pedi ao Tomás para afastar a cara do écran e para falar mais devagar.

Os outros alunos riam-se, divertidos e curiosos, porque também queriam saber o que tinha acontecido.

Uma das maiores dificuldades que tenho sentido a dar aulas à distância é não saber o que está a acontecer aos miúdos. Claro que sei os factos e as narrativas mas coisa bem diferente é saber o sentido e o significado que encontram no dia-a-dia. A mãe que os acompanha nas tarefas escolares, o pai que lhes está a trabalhar em casa, a vontade de ir ao parque e não poder…

Este pequeno episódio dentário, lembrou-me que a experiência não coincide apenas com as coisas que acontecem, com “provar” coisas, com passar pelos factos e os factos passarem por nós. Mais do que fazer, mais do que a mecanicidade da vida a acontecer, a experiência caracteriza-se pelo significado das coisas que acontecem,: dizia um padre meu amigo, “a experiência implica a inteligência do sentido das coisas”.

Quantas vezes, na escola presencial ou na escola virtual, passamos por cima deste elemento crucial: qual a experiência verdadeira que as crianças estão a fazer das circunstâncias simples ou complexas que vivem? Que sentido encontram nas coisas que lhes propomos?

O Tomás estava encantando com a sua ida ao dentista e sabem porquê? Eu não lhe perguntei mas ele disse-me:

 Tinha dois dentes definitivos a nascer e os dentes de leite ainda não tinham caído! E o dentista tirou-os e agora os outros já se veem e já podem crescer. Ah! E professora… fui tão corajoso!

Sem aprofundar muito o tema, fiquei contentíssima com a descoberta dele. Mas também fiquei radiante por redescobrir que há uma dimensão fundamental do meu trabalho que não pode ser ignorada: para ensinar, para educar ensinando, preciso de dar espaço ao impacto que a vida tem nos miúdos. Posso ajudá-los a encontrar os critérios e os caminhos que conservam esta aventura de viver sempre assim, à procura do sentido do que acontece, que se revela como verdadeiro porque faz saltar de alegria e invadir o ecrã sem pudor…

Catarina Almeida